Por Marcos Silvaem comentário neste blog
Amigos e amigas:
Relendo a entrevista de Pedro Costa, fiquei impressionado com a última questão e a resposta que lhe foi dada:
"Em 2007, o artista Guilhermo Habacuc amarrou um cachorro doente na parede de uma galeria e o deixou lá até morrer. Seria uma mostra de arte contemporânea?"
"Ele fez uma espécie de readylade (releitura) do conceito de Duchamp, que deslocou objetos já existentes na indústria à galeria. Guilhermo trouxe um cachorro, que morreria na rua sem ninguém ter por ele, à galeria. O cachorro ganhou valor de obra. Duchamp questionou a própria arte. E Guilhermo questionou a hipocrisia do próprio público que olhava o cachorro, achava um absurdo e o deixava lá. Não havia proibição para retirá-lo de lá."
Lembrei de um registro que li na imprensa há mais de dez anos: um marajá da Índia, pioneiro na aquisição de fotografias, fotografou uma família que foi a seu palácio, morrendo de fome, fotografou o processo de morte dessas pessoas.
Era um precursor de Duchamp?
Duchamp trabalhou com objetos. O marajá e Guillermo Habacuc trabalham com seres vivos.
No último caso, a hipocrisia da sociedade foi evidenciada, sim. Mas a hipocrisia do artista também: ele coadjuvou a morte do animal, ele também nada fez para interromper esse processo de morte do cão.
Sugiro retomarmos Benjamin, no ensaio sobre a obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Ele comenta como o nazi-fascismo pretendia transformar a política em obra de arte que se projeta e se contempla.
Tenho grande admiração pelo esforço experimental das artes, penso que autores tratados como clássicos hoje (Rembrandt, Velásquez, Goya) foram artistas que experimentaram novos horizontes em seus tempos.
Isso não significa neutralidade ética, indiferença em relação a vida e morte. Vida é só uma. Tanto os camponeses hindus morrendo de fome quanto o cachorro doente (que deveria estar internado num hospital veterinário!) morrendo na galeria foram transformados em espetáculo. Cada um de nós pode ser transformado em espetáculo - o filme "Satyricon", de Fellini, apresenta uma peça na qual, todo dia, decepam a mão de um escravo. Tudo vale a pena, em nome da arte? Minha resposta é: não! A arte existe na vida, não na morte!
Não se trata de proibir ou permitir. Mas é preciso, sempre, pensar sobre critérios éticos, é preciso discutir, sim, se é ou não é arte, é preciso ter clareza de que não se pode fazer qualquer coisa porque é (ou supõe ser) arte.
Abraços a todos e todas:
Marcos Silva
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