quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Diferencie os bifes

Reluto em classificar meros escrevinhadores como “escritores”. Na minha mesinha de cabeceira vejo daqui o livro Almanaque Anos 70. A autora, Ana Maria Bahiana é conceituada jornalista dos campos culturais há pelo menos três décadas, de indiscutível talento. Mas o livro nada mais é do que um excelente apanhado de fatos e fotos da referida década, muito bem escrito e organizado.

Na biografia da autora consta o que se vê comumente. Além da profissão acadêmica, a complementação de “escritor”. Quem leu o livro deve concordar: não há elementos literários que diferenciem a obra de uma pesquisa ou de um trabalho jornalístico. Também leio o livro já por aqui comentado do psicanalista Irvin D. Yalom, A Cura de Schopenhauer. Interessantíssimo, do ponto de vista filosófico, não literário.

Meu amigo e jornalista da cultura, Tácito Costa comentou em seu blog (www.substantivoplural.com.br) sobre outro best seller do psicanalista: Quando Nietzsche Chorou. Diz Tácito, com o gabarito de algumas décadas de jornalismo cultural, que conseguiu chegar à página 100 do livro e largou-o. Gostei quando disse que um encontro de dois personagens rendeu 70 páginas e que poderia ter sido em 7. O último livro de um grande escritor que li foi Memórias de Minhas Putas Tristes, de Saramago. Livro pequeno e de uma amplitude incrível.

Poder de síntese e clareza cabe ao verdadeiro escritor. É exigência notória, também, do jornalista. Mas ao escritor cabe ser mais objetivo e empregar alguma poesia, algum recurso literário, opinativo, descritivo, lúdico. E no final apresentar uma obra de valia, rica para sua época. Mesmo escritores de ofício merecem maior rigor ao se auto-classificarem escribas.

Quem ler as críticas de Millôr Fernandes à obra do ex-presidente José Sarney vai entender o que digo. Ao ambientar uma cidade, prédios, sítios ou pessoas é preciso conhecimento e atenção. A geografia de tudo isso requer detalhes e precisão. Essa premissa para qualquer escritor. Nomear qualquer escrevinhador que junta crônicas ou poesias em um livro, ou aquele que elabora uma pesquisa aprofundada sobre determinado assunto de escritor, é desmerecer o verdadeiro artista das letras. Veja bem: cultura é diferente de arte. Saiba diferenciar bife à milanesa de bife atrás da mesa!

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