sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Entrevista: Vitor Ramil

Quem é Vitor Ramil? Fiz esta pergunta meses atrás quando divulgaram a lista dos vencedores do Prêmio Tim de Música. O gaúcho compositor, musicista de voz suave está na estrada desde o início da década de 80 e foi premiado pela escolha do público. Vitor Ramil é desses fenômenos musicais que surgem de tempos em tempos e consegue, após décadas de trabalho, conquistar públicos aqui e alhures e juntar tudo numa boa sopa de legumes selecionados. A música é refinada. Há cerca de quatro anos, Carlos Heitor Cony, em palestra promovida pelo Banco do Brasil em Natal, comentou da obra de Clarice Lispector: "Não é pra qualquer um". Assim é a música de Vitor Ramil. Por isso a estranheza pela conquista do voto popular do Prêmio, mesmo após reconhecer seu talento.

Depois de escutar seu mais novo Cd - Satolep Sambatown - até decorar cada sílaba melódica, pude assistir seu show na Bienal Internacional do Livro do Ceará, mês passado. Melhor: acompanhei cada minúcia da passagem de som. Oportunidade rara. Vitor Ramil esteve em Natal uma vez, convidado do Projeto Pixinguinha. Gostou da cidade e manifestou, antes de iniciar a entrevista, seu desejo de voltar a se apresentar na capital potiguar, num possível convite do Projeto Seis e Meia. Seria uma oportunidade de apresentar o que chama de Estética do Frio – uma tentativa de criação original de música. Não é pra menos. Um dos maiores críticos musicais do país, Zuza Homem de Melo definiu Vitor Ramil como “original em tudo o que faz”. Abaixo o leitor confere algumas palavras do gaúcho antes de sua apresentação na Bienal do Ceará:

Sérgio Vilar - O que é a estética do frio?
Vitor Ramil - Isso é assunto para dez páginas de jornal. É uma reflexão minha; uma autocrítica do meu trabalho. Não se trata da música já formulada. Na verdade é a busca que virou livro. Não é um movimento; não é um manifesto. É a necessidade de definir uma matriz nova para minha música. Não tem nada de determinismo. É importante que se diga que não se trata de compor no frio ou no calor. Nada tem a ver com o frio, no sentido climático.

Sua música guarda certa melancolia misturada ao samba, ao choro. Tudo isso faz parte da estética do frio?
Não penso dessa forma. Apenas busquei uma nova matriz. Comecei a desenvolver essa idéia no início dos anos 80: misturar várias essências que se misturam na superfície. Eu queria uma linguagem-síntese dos elementos formadores de minha música.

Quando falo em melancolia é uma melancolia gostosa como está presente no choro...
A melancolia é da minha personalidade. Infelizmente é comum associar a melancolia à tristeza. Esse é o problema. Tristeza não vende disco. Minha música é contemplativa; reflexiva e talvez termine como melancólica. Não é esse o propósito, mas é o propósito recusar isso. Quando me tornei independente isso veio à tona. Não deixo de compor lírico, erudito ou popular para agradar gravadora. Alimentar a falsa alegria não é pra mim. Minha música pode ser alegre, mas não vai chegar a ser um batuque baiano.

Como surgiram os primeiros contatos e a parceria com Jorge Drexler?
Surgiu quando gravei um disco na Argentina. Meu produtor, Pedro Asnar o encontrou eles trocaram discos: ele deu um dele e o Pedro deu um meu. Ele gostou, depois me ligou de Madri; ficamos amigos; depois tocamos e compomos juntos algumas vezes. Ele se identificou muito com a estética do frio, com minha forma de pensar.

Importa para você a falta de abertura da mídia televisiva e radiofônica ao seu trabalho?
Acho que importa pra todo mundo. Vou a Belém do Pará há muitos anos tocar e tenho um público grande lá porque as rádios tocam minha música. Muitas rádios argumentam que a música é complexa, mas tem público que quer escutar isso.

Alguns grupos e artistas preferem fugir do chamado "jabá"...
É muito injusto o que essas mídias fazem com a cultura brasileira. Isso trava o desenvolvimento artístico do país e impede o povão, a grande massa, de escutar coisas legais. Tem artista que batalha 24 horas por dia para estar na grande mídia. Meu pique é outro: é o da criação. Seu ficar velho sem ninguém me conhecer, paciência.

Como jornalista - teoricamente bem informado - conheci seu trabalho há poucos anos. Não lhe preocupa?
Várias pessoas, inclusive jornalistas que me entrevistam me dizem isso, que depois de ouvirem o som ou o show ficam chapados e se interessam pelo meu trabalho.

Você é a favor de disponibilizar as músicas para acesso livre na internet?
Em parte. A comunicação é importante. Os autores e produtores têm de receber algo em troca do investimento. Daqui a pouco vão perguntar: 'Porque vou gravar isso se traz prejuízo?'. Para as pessoas é ótimo, mas quanto custa um CD bem produzido, com orquestra? Uma hora deve haver uma regulamentação pra isso. Pra mim que sou alternativo tem seu lado bom. Para muita gente que está começando também serve para divulgar seu trabalho.

São oito discos (mais três livros) e só agora o reconhecimento com o Prêmio Tim de Música. Veio tardio?
Para mim, não. Para a maioria das pessoas foi supreendente. Estavam na solenidade artistas populares, como Caetano Veloso e Gilberto Gil e recebo o prêmio. O legal é que a eleição foi pela internet. As pessoas se mobilizaram. Ou seja: a vitória é do novo contexto; dos artistas que têm seu público; tem sua independência; seu selo. Sou artista desde os 18 anos. Meu público tem crescido, mas nunca fiz carreira. Na verdade fujo dos convites para compor música de novela e coisas do tipo. Até criei algumas indisposições com gravadores. E cada vez mais meu público é mais jovem. Não sou ligado aos elementos que me formaram musicalmente. Tenho buscado a renovação; uma maneira própria de tocar. Não é fácil ser original na música popular brasileira. Parte daí a estética do frio. Eu me perguntei: o que eu podia fazer do meu legado?

Seu novo álbum tem muita influência do samba. A parceria com o carioca Marcos Suzano foi uma busca por essa aproximação?
Não teve esse pragmatismo. A produtora sugeriu uma parceria para o disco, de preferência que fosse instrumentista já que meu trabalho é muito autoral. Ao longo do tempo fui dando conta do sentido de dividir o trabalho com o Suzano. Acho que foi significativo. Ele faz uma ponta entre a composição e o público, que presta mais atenção ao som do violão em meio à massa percussiva do Suzano e sua riqueza de texturas. Foi um trabalho de muita minúcia. Os timbres dos dois são diferentes. Deu quilo. No Rio Grande do Sul "deu quilo" é quando a coisa dá certo.

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