quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Entrevista: Zuza Homem de Mello

São quase 60 anos de ouvidos treinados à boa música. Um trabalho de lapidação contínuo que levou o musicólogo, jornalista, radialista e produtor musical Zuza Homem de Mello a mostrar ao Brasil nomes como Elis Regina, João Bosco, Ivan Lins, Djavan e muitos outros. Há mais de 40 anos este senhor de cabelos e barbas brancas realiza um trabalho de garimpagem na música brasileira e tem descoberto verdadeiras pepitas de ouro. Uma das “grandes revelações da música popular brasileira nos últimos anos”, para ele, é uma potiguar: Roberta Sá, a qual pensava ser carioca.

Zuza Homem tem percorrido a história da MPB a partir da metade do século 20. Na década de 50 atuou como músico contra-baixista e jornalista. Assinou colunas nos principais jornais impressos do país, como Folha, Jornal do Brasil e a revista Down Beat. Foi produtor e engenheiro de som dos memoráveis e revolucionários festivais de música da década de 60. É autor do livro Música Popular Brasileira – período da Bossa Nova aos festivais, lançado em 1976. Entre 1977 e 1988 concentrou suas atividades no rádio e na imprensa. Há mais de 35 anos realiza cursos, palestras e seminários sobre MPB e jazz e produz álbuns musicais. Tem sido jurado ou presidente de júri dos principais festivais de música nacional e regional.

Na entrevista a seguir, feita por telefone, os elogios a Roberta Sá se estendem ainda para outras figuras da música brasileira. Zuza Homem dividiu o palco no último Encontro Natalense de Escritores (ENE) com um dos fundadores do movimento Bossa Nova, Roberto Menescal, o produtor musical José Dias e o compositor potiguar Carlos Piru. Zuza fala a seguir de Vitor Ramil, cuja entrevista postei há poucos dias neste blog.

A Bossa Nova é considerada a grande contribuição da música brasileira para o mundo?
Sem a menor dúvida. A música popular brasileira passou a ser conhecida em função do sucesso incontestável da Bossa Nova. Pela primeira vez foi cantada por músicos estrangeiros e fizeram parte das primeiras colocações da parada norte-americana. Era um público (o americano) que ignorava completamente nossa música. A partir daí vingou para a Europa, Ásia. E isso não é hipótese ou dedução. É fato.

O próprio ritmo da Bossa Nova também contribuiu como novo modelo rítmico do tocar violão? Até então não existia aquela maneira de João Gilberto tocar...
O ritmo já existia: era o samba. O diferencial foi a forma de marcação, que realmente contribuiu para uma nova forma de tocar violão no mundo.

O senhor acredita que a originalidade musical se perdeu ou algo novo ainda pode ser criado?
Acredito que no futuro pode acontecer de surgir um novo João Gilberto ou um criador de uma nova forma tocar. Pode ser aí mesmo em Natal. João Gilberto, por exemplo, nasceu no sertão da Bahia. Aliás, Yamandu Costa é uma prova contundente de que nem tudo já foi inventado. Ele veio com uma nova forma de tocar violão, que mistura a influência sulista, o vigor de Baden Powell, mas com a personalidade muito própria do Yamandu, é bom ressaltar.

O Guinga segue a mesma linhagem de virtuosismo?
O Guinga é outro compositor originalíssimo. O Brasil ainda vai ser orgulhar muito dele.

Mas Guinga já tem uma trajetória considerável. Já não era pra ter despontado?
As coisas no Brasil demoram um pouco. A música de Guinga não é palatável; não entra de imediato no gosto do povo brasileiro. Com a Bossa Nova também foi assim. Ainda encontro pessoas hoje que não assimilaram a Bossa Nova; que não gostam de João Gilberto. Claro, nem todos têm a mesma sensibilidade e percepção.

O compositor e escritor Vitor Ramil tem procurado criar um novo estilo de música, a qual chama de Estética do Frio. O senhor conhece o trabalho dele?
Vitor Ramil é um excelente compositor; original em tudo o que faz. É das grandes forças da música do Sul. Ele não é banal em nada que produz, ao contrário do que é exibido na mídia brasileira.

A culpa desse paradigma de valorizar o banal na música brasileira é do público ou da mídia?
As TVs e as rádios estão muito mal servidas de pessoas que entendem de música. Há poucas exceções, como Fernando Faro, diretor da TV Cultura. Mas em regra não conseguem distinguir um Dó de um Sol; não têm sequer as noções básicas de música.

O senhor conhece algo da música produzida no Rio Grande do Norte?
Não sei identificar particularidades da música produzida aí.

Reformulo a pergunta: o senhor conhece algum intérprete ou compositor potiguar? Acredito que reconheça a Roberta Sá, com trabalho mais voltado ao eixo Rio-São Paulo.
A Roberta Sá é daí? Ela é das grandes cantoras reveladas nos últimos anos no Brasil. Ela deu duas provas cabais de seu talento. Foi em uma homenagem a João Donato, no Ibirapuera; e na apresentação no Tim Festival (evento musical do qual foi curador), quando ela e o Arnaldo Antunes precisaram substituir algumas atrações faltosas do evento. Ela se mostrou tranqüila. É mesmo das grandes revelações da música brasileira. Pode apostar nela. Pensei que fosse carioca. É uma sambista nata. Mas veja que João Donato nasceu no Acre e nada tem da música de lá.

A mesa de debates a qual o senhor vai participar tem a temática do O Desenho Rítmico da Bossa Nova. Qual particularidade da Bossa Nova mais desconhecida o senhor gostaria que viesse à tona para o público?
A Bossa Nova completou 50 anos em 2008. Foi o evento mais comemorado da música popular brasileira de todos os tempos. Foi uma verdadeira produção de espetáculos, exposições, artigos de jornais, reportagens e informações que vieram à tona e chamaram a atenção de uma juventude até então sem contato com a Bossa Nova, justo em função das informações que circulam nas TVs e rádios. A juventude ficou surpreendida com esses eventos todos e com esse contato primário com a Bossa Nova, pelo nível musical de qualidade que até então eles desconheciam.

3 comentários:

  1. Muito boa a entrevista. Vou recomendar lá no SP. Você leu o livro Cem anos de solidão? O filme é uma caricatura da obra e esteriotipado. Muito ruim!
    Tácito Costa

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  2. Na pressa fiz o comentário truncado. ERa para perguntar se você leu O amor nos tempos do cólera e não Cem anos de solidão. Mas, por vias tortas, acabou dando certo porque o filme reproduz de forma esteriotipada o universo ficcional de Marquez e não apenas de O Amor nos Tempos do Cólera. E Bardem com aquela maquiagem tenebrosa (rs)...
    Tácito Costa

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  3. Li não, Tácito. E se no início me despertou a vontade, agora fico com medo de ler e desgostar do filme (rs).

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