quinta-feira, 10 de março de 2011

Paralelepípeda poesia


por Carlos Gurgel
enviado por e-mail

Nos anos 70, a turma da poesia teve a idéia de comemorar o seu dia. Não me lembro exatamente qual o ano. Só sei que caminhamos, recitamos e folheamos os umbrais da década que revirou e revigorou os artistas e as pessoas com inúmeras idéias nas suas cabeças. Lembro-me como se fosse hoje: movimentos aconteceram para sedimentar vozes, versos e sintetizadores.

Tudo, na sua maioria, de improviso. Poesia mimeógrafo, marginal. Arte alternativa. Poesia vertida e vestida em bares, lares e nos mares da nossa incontinência coletiva. Festejamos luas, ruas e vendavais. E as caminhadas com faixas, na faixa de pedestre ou avançando os sinais da voracidade londrina e provinciana.

Era tudo muito mestiço. Regado a véus, vinhos e vielas. Esse pessoal que toma conta da paixão pela palavra, que escreve em guardanapos, toalhas semi-nuas, que assessora corações e lentes, é cria, é filho da geração da graça incontida. Ímã e cúmplice de alforrias verbais. Simpatizante da sopa de letras que agrega e consagra pecadores do tempo.

Somos inúmeros poetas. Veniais e virtuais. Marginais e abdominais. Consagramos a fome do estômago da nossa fértil usina tropical, a fortaleza de um paraíso pedido, tão amplificadoramente gauche. Carregamos, como pessoas e poetas, a gravidez de um texto, o crepúsculo das f(r)ases soltas e penitentes.

E testemunhamos como lírios e humanos, a nitidez da vida. Cálida e pálida. Cinematográfica e recheada de ilusões. Por isso, que dos suores que escrevo e que escorre da testa e da língua de quem ensaia revelações, de quem come o pão que o dicionário amassou, biscoitos são fermentados; vértices e ícones de um mesmo
saco: escrever e ler é divino e é profano.

Assim, a saga de quem caminha e fala versos, é rascunhar na rua, os estribilhos de uma esquina que não peca. Igual a versos soltos. Revoltos. Envoltos em reclames, alfarrábios da simétrica fé. E já não era sem tempo, durante todos esses anos, caminhadas aconteceram, livros foram lançados, saraus apareceram, poesias foram
musicadas, poetas foram falados, cantados, lembrados, amados.

Portanto, ver a vida com poesia, é como sentir uma fisgada. Profunda e reveladora. Semelhante a uma crença quando engatinha. Ou ao burburinho de uma cidade do litoral nordestino. Forte e tão bela. Que por suas ruas passeiam rosas e reisados. Relicários botequins.

Enfim, vestir a camisa da poesia, que pode ser amassada, engomada ou esgoelada. Ela pode levar chuva, bala, beijo e porão. Só não pode faltar paixão. E o perdão que só os nossos olhos alcançam.

Um comentário:

  1. Que prosa linda!
    Parabéns ao autor,que poeta brilhante!
    É isso que precisamos,de amor a escrita,ao verso,a liberdade...

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