quarta-feira, 27 de maio de 2009

Matemática artístico-construtivista

Se os números matemáticos aterrorizam estudantes pela rigidez formal dos cálculos, eles estabelecem diálogos tão poéticos quanto a literatura. É nas artes plásticas onde as cores ganham vida, a música recebe forma e a arte constroi a linguagem dialética. No estilo construtivista do carioca Dolino, as nuances da arte moderna estão evidentes. O caráter universal da obra deste artista viajado e pintado pelas cores do mundo está em evidência a partir de hoje na Galeria de Artes da Funcarte, com a exposição O Mágico Aprendiz.

Dolino faz parte da terceira geração de modernistas. É da genealogia artística de mestres das artes como o ítalo-brasileiro Alfredo Volpi, Rubens Valentin e Eduardo Sued. A experiência conquistada nos últimos 25 anos em diversos países onde morou, pintou e expôs está reunida em 22 telas de alta proporção, instaladas na Galeria da Funcarte durante um mês. O estilo de Dolino se confunde com obras de artistas internacionais. A identidade brasileira está na forma desinibidora da exposição das cores, aclimatada à alma tropicalista tupiniquim.

Hoje, ás 19h, Dolino proferirá palestra no auditório da Funcarte. O tema - O processo de criação - abre espaço para o carioca de 64 anos unir a poética criativa da arte do fazer, do músico erudito Stravinsky. O artista visual falou sobre sua obra e a influência construtivista na entrevista abaixo.

Diário do Tempo - Seu trabalho se locupleta com outros construtivistas nacionais, mas ressalta um estilo próprio, mais universal. Onde você suga essa percepção?
Dolino - A arte brasileira é muito ampla. Meu trabalho é mais sintonizado com artistas como Alfredo Volpi. Volpi parte de raízes populares e impõe a sofisticação formal; de festas populares e parte para algo completamente abstrato, internacional: parte do regional para o universal. E esta é a grande lição do qual procuro me filiar. O Eduardo Sued parte de linguagem matemática, universal, sem o sabor nacional. Ela pode ser vista em qualquer lugar do mundo porque é despossúida da natureza local. Estou mais perto disso, até pela vida que levo. Passei muito tempo longe do Brasil. Então é natural que eu converse com o público com uma liguagem mais universal. Minha pintura, salvo pelas cores, do ponto de vista formal poderia ser feita por artistas de fora. O que me caracteriza talvez seja a cor. Estrangeiros talvez não tenham a intimidade com as cores tropicais.

E quais as cores do Brasil?
As cores do Brasil são as mesmas de qualquer lugar do mundo. Mas o artista brasileiro não tem o pudor de usar o vermelho escancarado. O europeu usa o cinza em conjunto com o vermelho para não causar tanto impacto, tanto pudor.

Sua obra traduz rigor, principalmente porque está amparada na matemática construtivista. O que o senhor acha da pintura abstrata ou da chamada arte contemporânea?
Respeito duas grandes divisões: a arte figurativa e a abstrata. São o Norte e Sul no campo das artes. Estou na abstrata, que está subdividida em arte abstrata formal ou informal. Estou na formal. Mas seja qual tipo de arte for não basta expressar apenas o gesto informal ou a emoção; não é suficiente. É preciso rigor. E quem cobra isso não sou eu. Desde o Renascimento italiano, nas obras de Rafael, Michelângelo, por trás daquela paisagem, daquela Madona, há rigor formal, uma estrutura matemática visível. Embora eu seja artista abstrato, procuro seguir o mesmo cânone. Você pode gostar ou não da minha obra, mas não pode descartar uma exibição matemática, harmônica nas telas. É o mesmo rigor que o músico emprega na música. A sinfonia é uma composição abstrata, mas segue ritmo, melodia e harmonia. O próprio Eduardo Sued diz que a tela tem um som. É um exemplo simbólico, mas é real.

A ligação da música com seu trabalho é muito íntima. Como se dá esse intercâmbio no processo criativo?
Ao estabelecer o desenho, a estrutura do quadro, obedeço os princípios rítmicos da composição. Posso ser mais veloz, mais acelerado, mais harmônico# Esse fenômeno musical também ocorre na pintura, na poesia. Tem que se ter rítmo. São princípios criativos canônicos. Não se pode fugir deles.

Falta esta rigidez à arte contemporânea?
Temos que esclarecer o que é arte comtemporânea: é tudo o que se faz hoje. Sua matéria, por exemplo, é do meu tempo; é contemporânea. Então, tudo o que está sendo feito hoje é contemporâneo. Eu sou seu contemporâneo. Isso não quer dizer que eu precise colocar uma mesa em cima da outra e chamar de arte para ser classificado como contemporâneo. Como dizia Vinícius de Moraes: "Meu tempo é quando".

Afunilando mais a discussão, as instalações formam hoje a polêmica maior sobre os limites do fazer artístico. Como definir o que é arte?
A instalação não é um fenômeno contemporâneo. Ela sempre houve. Quando Leonardo pintava um grande quadro e apresentava em Florença, montava uma verdadeira instalação para apresentar aquela obra. Instalação é qualquer manifestação para apresentar um certo discurso, linguagem, emoção. Você compõe uma música de carnaval e um bloco faz toda aquela performance para cantar na rua. É uma instalação musical. Agora, tem instalações inquietantes. Mexe com seu paladar, com a sensibilidade. A polêmica é ou deveria ser: a arte emociona ou não. Se não te diz nada, não está lhe emocionando, então não é arte pra você. A verdadeira polêmica é essa. A arte é o fenomeno da emoção. Se você faz uma poesia hermética que ninguém entende não é poesia. Não é arte.

Partindo desse pressuposto, a poesia moderna está mais próxima da arte do que a poesia concreta, menos palatável ou mais hermética?
Primeiro: a poesia talvez seja o fenômeno artístico mais complexo que existe. A arte, mesmo sendo feita por um analfabeto, vai sempre exibir, além da sensibilidade natural, uma certa informação, um certo traquejo. E o espectador tem que ter uma abertura intelectual para se chegar àquilo. A poesia concreta não é mais difícil ou mais fácil. Apenas é preciso ter o olhar treinado pra abstrair aquilo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário