domingo, 7 de fevereiro de 2010

Filantropia Cultural

Semana passada, critiquei os critérios da Lei Câmara Cascudo de Incentivo à Cultura em patrocinar duas instituições voltadas ao trabalho de prevenção e cura do câncer, e uma outra ONG de viés cultural “sutil”. As duas primeiras – o Gacc e a Casa Durval Paiva – receberam apoio direto da Petrobras (R$ 100 mil para cada), sem interferência da lei. Bravo. A última – a Casa do Bem – recebeu R$ 227 mil também da Petrobras via Lei Câmara Cascudo. Qual o critério?

O trabalho social da Casa do Bem é reconhecido, irretocável pelo compromisso de seu mentor, o jornalista Flávio Rezende. O uso da cultura como ferramenta pedagógica de jovens de baixa renda, transforma: a Casa oferece formação de coral infantil, grupo vocal, grupo de dança, exposição de artes plásticas, doações de instrumentos, o contato direto destes jovens com shows culturais e um trabalho fantástico de uma orquestra de xilofones.

Ainda assim reconheço um viés mais social do que cultural. Ora, o trabalho se dá com jovens de baixa renda e voltado mais à educação por meio da cultura do que à produção de bens culturais propriamente dita. E aí está a falta de critérios da Lei. A Casa do Bem, a Petrobras estão abstraídas de culpa. A ONG é merecedora dos recursos. E se a empresa encontra meios para patrocinar um trabalho louvável com abatimentos de impostos, por que não?

Por outro lado, artistas de vários segmentos da cultura travam a luta diária de busca por patrocínio para lançarem seus CDs, livros, peças teatrais, exposições, espetáculos pontuais. Muitas vezes são valores abaixo de R$ 10 mil. Afora os projetos artísticos como o citado Poticanto (R$ 126 mil para o ano inteiro) – em fase de negociação com a própria Petrobras. Ironicamente, a matéria da semana passada do caderno mostrava a dificuldade do documentarista Paulo Laguardia em conseguir o patrocínio de R$ 160 mil para o projeto de documentário “Djalma Maranhão, o semeador de utopias”. Já foi um ano de tentativa e apenas elogios ao projeto.

A Lei CC é o retrato do capitalismo: poucos detêm muito. Cinco ou seis projetos abocanham quase 80% da renúncia fiscal de R$ 4 milhões destinada à Lei. Raros são os beneficiados. Empresas patrocinam projetos grandes porque rende mídia e retorno de imagem pela dita responsabilidade social de empresa patrocinadora da cultura. É legítimo. Nada é de graça. Tudo é planejado e visa o lucro. É a competitividade. É a lei da iniciativa privada, do capital.

Por isso defendo um afunilamento nos critérios da lei. Projetos sociais como a Casa do Bem, mesmo que trabalhem com cultura, deveriam receber R$ 500 mil, R$ 1 milhão, mas da forma como receberam o Gacc e a Casa Durval Paiva - sem a interferência da lei. Essa defesa é muito mais pelo desprestígio da nossa classe artística do que por questão de merecimento da ONG. Essa Lei precisa ser revista. Seria uma grande marca deixada pela atual gestão cultural. Quem sabe o socialismo real não vinga na cultura do Estado?

* Publicado hoje em minha coluna impressa no Diário de Natal

2 comentários:

  1. Grande Carlos, prefiri evitar seu comentário desta vez para evitar má interpretação alheia.

    Valeu pela participação!

    ResponderExcluir
  2. Muito bom texto Sérgio, vale salientar q mudanças acontecem a nível Nacional (Nova Lei de Incentivo à Cultura) e que isso deve reverberá nas leis locais. Acompanho de Perto a angústia do Ator e Diretor João Jr. para captar recursos para um projeto seu, e por este projeto não ser um megalomaníaco-capitalista-visionário sua captaçãotorna-se mais dificil, prinicipalmente por ser a lei Djalma Maranhão q é horrível por sinal...

    Abraços do Bico

    ResponderExcluir