terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Potiguar soteropolitano


Natal segue sem definições claras a despeito de sua própria identidade e cultura. E nas proximidades do Carnaval, as dúvidas ficam mais latentes. A música baiana ou os frevos pernambucanos percorrem cada quarteirão da cidade. Um senhor chamado Dosinho recebe homenagens sem que a populaça reconheça sua fisionomia ou músicas. O desfile das Tribos de Índio ainda causa confusão. “Será que são índios mesmo?”. Na “civilização” baiana, os trios elétricos, os blocos negros, o Afoxé Filhos de Gandhi, o pau elétrico. Em Recife, o frevo, Alceu Valença, o bloco Vassourinhas, o autêntico carnaval de rua. Em ambos, milhões de pessoas procuram um carnaval já desenhado há décadas, enquanto Natal permanece mergulhada no mar das culturas alheias. Mas, qual o motivo?

O compositor e dos grandes guitarristas da cidade, Kiko Chagas traz alguns porquês. A principal seria a falta de pagamento de direitos autorais aos compositores de Natal. “Como a música na cidade vai crescer dessa maneira? Uma música minha toca no município de Valença, na Bahia, e eu recebo. Se tocar na minha cidade não recebo nada. Qual o estímulo para os músicos daqui escreverem músicas de carnaval?”. Uma das canções de Kiko Chagas, É Amor, foi interpretada pela banda Cheiro de Amor e tocada durante a última apresentação do Criança Esperança, na Rede Globo. “Essa música foi incluída na série Músicas do Século 20 (selo Polygram), no CD da banda. E eu pergunto: qual outra composição feita por potiguar teve sucesso na Bahia nos últimos 20 anos?”.

Kiko aponta a falta de organização dos músicos potiguares como outro obstáculo ao crescimento do carnaval em Natal. Segundo o músico, todos deveriam estar unidos em busca de um escritório do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) instalado em Natal. O mais próximo é o de Recife. Kiko afirma que os direitos autorais de cada música tocada aqui são pagos lá e não retornam ao bolso do compositor. “Junto com o Ecad, traríamos a Socinpro (Sociedade Brasileira de Administração e Proteção dos Direitos Intelectuais) – uma espécie de fiscalizador do Ecad. O mais próximo também é em Recife. Fizeram em Goiás porque lá tem o Zezé de Camargo, o Leonardo. Precisamos nos unir aqui para trazer essas entidades e começarmos a valorizar o nosso músico”.

A ausência de escritórios fiscalizadores como o Ecad e a Socinpro planta a cultura do empréstimo gratuito de canções. Compositores doam músicas a intérpretes em troca apenas do reconhecimento. Bandas populares como o Grafith, sem qualquer inscrição em entidades de proteção ao direito autoral vendem milhares de CDs e DVDs no mercado informal e deixam de recolher os direitos autorais que caberiam aos compositores dos seus sucessos. Para reverter essa situação, Kiko Chagas tem procurado fortalecer a Associação Potiguar dos Artistas e Compositores do RN (Apacirn), filiada à Associação Paraibana de Autores e Compositores (Apac), já ramificado em outros estados nordestinos. Esse seria o primeiro passo para melhor identificação da música potiguar.

Guitarra potiguar
Kiko Chagas tem história na música nacional. Coisa de família. O compositor é filho do nosso Dorival Caymmi potiguar, Chico Elion, autor de Ranchinho de Paia e Moinho D’água, e neto de Chiquinha do Acordeon, uma das integrantes do trio Irmãs Ferreira, famoso nos anos 50, e do sanfoneiro e compositor Manoel de Elias, morto há alguns meses. Kiko é um virtuose da guitarra. Tocou na banda Vitória Régia, de Tim Maia, participou de shows do jamaicano Jimmy Cliff, Elza Soares e nos trios elétricos baianos, junto com Paulinho Boca de Cantor. Na Bahia, gravou ainda o CD Do Lundu ao Axé, como arranjador musical. Recebeu o Troféu Caymmi pela direção musical, e teve três composições gravadas por Emanuele Araújo e Durval Lelys no CD em homenagem ao time do Vitória.

Kiko é um entusiasta da música baiana. Influenciado pelo modo de tocar do pai e pelo pau elétrico – ou guitarra baiana – criado por Osmar, da dupla Dodô e Osmar, Kiko Chagas criou a guitarra potiguar há cinco anos. Ao contrário do estado baiano, a idéia não vingou na terra potiguar. O instrumento é uma espécie de cavaquinho elétrico. A diferenciação mais visível à guitarra hoje difundida por Armandinho, filho de Osmar, são as cinco cordas. É afinado com uma escala acima (uma oitava acima) e permite várias afinações. “Robertinho do Acordeon disse que era gasguita porque soa muito alto. E com quando distorce, o som ferve, cara”, se orgulha Kiko.

Na Bahia, o pau elétrico durou apenas um ano para virar sucesso. A “dupla elétrica” Dodô e Osmar já existia quando, em 1950, o bloco pernambucano Vassourinhas se apresentou na Bahia. O entusiasmo dos baianos com o frevo inspirou Osmar a colocar um projetor de som na frente e outro atrás na fobica. Em 1951, o trio elétrico desfilava em Salvador já com enorme sucesso, tendo ainda Armandinho para incendiar a guitarra baiana e formar o “trio elétrico”. “Aqui as coisas demoram para acontecer. Por isso torço por esse intercâmbio saudável entre Salvador e Natal para que nós aprendamos com eles como se faz um carnaval organizado e de sucesso”.

* Matéria publicada hoje no Diário de Natal

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