quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Jornalista: um bicho de 7 cabeças e 10 chifres

Senhor, tende piedade de nós! Pura realidade o que essa moça escreveu no site Digestivo Cultural. E de cá, acrescento: jornalista de cultura nessa cidade precisa ainda entender de música, cinema, teatro, artes plásticas, folclore, escultura e ainda ter um senso incrível para aguentar vaidades alheias e pessoas sem bom senso ou compreensão. Por isso, repito: Senhor, tende piedade desse seres de... chifre?

Por Débora Carvalho

Uma cabeça só não seria suficiente para o jornalista contemporâneo ser capaz de acompanhar as atuais exigências da profissão. Antigamente as demandas eram distintas, segmentadas em áreas exclusivas. Alguém só para analisar e propor pautas. Outra pessoa só para apurar informações. O repórter nas ruas. O redator que escrevia com base nas informações do repórter e do apurador. O cara da diagramação. Revisor. Fotógrafo. Câmera. Editor de áudio. Editor de vídeo. Motorista. Operador de som. Locutor.

Hoje é diferente. O jornalista tem que saber o que aconteceu, o que acontece e o que vai acontecer ao seu redor e no mundo. Escrever em cinco linguagens diferentes: jornal impresso, revista, internet, rádio e televisão, com maestria. Texto impecável. Criatividade. Domínio das tecnologias para fazer o máximo de coisas sozinho.

Não existe mais pauteiro. Nem apurador. O repórter tem que entregar o texto final, impecável. Existe até vídeo-repórter, que faz a matéria sozinho ― com passagem e tudo ― e edita o VT no notebook, no estacionamento do shopping onde parou para fazer um lanche ― para chegar à redação com a matéria pronta para ir ao ar.

Além das exigências de múltiplas performances e habilidades, a estabilidade em carteira assinada também está em extinção. Vivemos em um novo mundo, onde o jornalista ― além de multiuso ― também precisa ser empreendedor.

Nesse cenário apocalíptico, o jornalista é um bicho de sete cabeças e dez chifres. Uma cabeça só não dá conta de tantas exigências. Quais você imagina que são? Minha sugestão é cultura, agilidade, proatividade, sensibilidade, tecnologia, empreendedorismo e humanidade.

1. Cultura
Além da popular, a erudita. História, atualidades, arte e costumes. Isso inclui conhecer bem o próprio idioma: estar entre os 28% da população com alfabetização plena. E mais. Na condição de comunicador, precisa ser capaz de falar com os 72% que não compreende bem o que lê. Nada de conversar com o próprio umbigo ou só com a elite e colegas de profissão.

2. Agilidade
Tudo é pra ontem nesse novo mundo. Vivemos na cultura do imediatismo. Então, é bom que os hábitos de vida do jornalista permitam que ele tenha um raciocínio muito veloz. Tem que digitar rápido, diagramar mais rápido ainda. Editar sem erros. Ir direto ao ponto. Não dá pra enrolar tempo na atividade e menos ainda enrolar o público com blablablá. O texto também precisa ter essas características, ser claro, objetivo e de fácil leitura. Parágrafo que a gente precisa ler duas, três vezes para entender, só em artigos acadêmicos. Quando essa cabeça pega no sono a matéria não sai.

3. Proatividade
Degolar essa cabeça por achar que o beneficiado é sempre o próximo é a pior bobagem. Ser proativo, cheio de iniciativas e de bondade ― com foco nos resultados e no bem-estar das pessoas ― é a chave para aquela promoção. Ou demissão. O incrível é que ser demitido por um chefe incompetente e invejoso abre as portas para que você encontre seu espaço legítimo. É um favor que você recebe da vida, pois talvez não tenha coragem para pedir demissão.

4. Sensibilidade
Quando a sensibilidade fica com dor de cabeça é o fim. Pausa para férias. Sem sensibilidade, você fica com a percepção alterada. O texto fica péssimo, sem criatividade e sem nexo. Você não vai saber quando e com quem ser proativo. Vai deixar de fazer a pergunta mais importante. Talvez até publique uma barrigada sem apurar os dados ― por falta de atenção. Não vai perceber as alfinetadas ou que está sendo capacho do colega, ou que você mesmo está agindo com grosseria ou arrogância. Sensibilidade é questão de sobrevivência.

5. Tecnologia
Conteúdo não é nada se ninguém tiver acesso. A tecnologia permite que os conteúdos cheguem às pessoas. O jornalista contemporâneo domina todas as novas tecnologias à medida que vão surgindo, e as aplica para facilitar a produção do seu trabalho.

6. Empreendedorismo
Pois é. Hoje, o jornalista sem espírito empreendedor, ou coragem para empreender, perde muito. O patronato não tem espaço para empregar todo mundo. E ainda existe a relação entre os empreendedores de grande porte com os empreendedores micro ― uma empresa composta de eu e minhas sete cabeças. O jornalista empreendedor não tem rabo preso. E precisa aprender marketing e publicidade ― para aplicar em si mesmo. É uma aventura que pode valer a pena para os que têm coragem.

7. Humanidade
Se ela tiver um AVC, você pode esquecer que seu compromisso profissional é com o público e não com o seu chefe. A sétima cabeça é a primeira que nasceu. Do tempo em que não existia tecnologia nem multifunções. É aquela que mostra que você não é super-homem, nem advogado, policial ou juiz. Ela é a ética, o caráter. É a verdade e o respeito acima de tudo. É o que te dá coragem de abandonar o emprego que paga mal e demitir o chefe sem escrúpulos. É a sua dignidade ― que não tem preço. Ou tem?

É por esse trabalho todo que o jornalista é um bicho de sete cabeças.

E os dez chifres? ― Tomara que você tenha nenhum.

2 comentários:

  1. Sérgio, só uma pequena observação. Toda cultura é popular.Até a erudita. Os "eruditos" são frutos do povo. Quando alguém da "elite" produz cultura ele ingressa no universo da criação popular. Seja Dante, Ovidio, Mozart,Vandré ou Pinto do Monteiro. a cultura não comporta essa departamentação. Isso é coisa de política cultural, que pouco tem a ver com cultura. Cultura é obra do povo. Abraço de françois.

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  2. É sempre boa essa aula quase diária. Abraço, François!

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