segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

De Marcos Silva e os tipos intelectuais


Conversei, na manhã de hoje, com o historiador e cientista social Marcos Silva. Se já era fã do modo elegante de jogar o difícil jogo do conhecimento sem demonstrar arrogância, fiquei ainda mais. Marcos é daqueles intelectuais natos. Se não sou um, sei reconhecer um. Mesmo de pouca experiência como repórter, já entrevistei um bocado. E há os tipos.

O primeiro tipo é o pior: os arrogantes extremamente didáticos. Eles sabem que são os fodas. E do alto da petulância, descem do seu pedestal com extremo prazer para pisar o chão do repórter e se igualar a ele para ser melhor entendido. Se explicam demais. Geralmente usam muito o braço em gestos cenográficos. Usam clichês, aforismos, metáforas para se fazerem compreendidos em seus raciocínios e teatros do absurdo.

Há também os arrogantes inseguros. Estes são mais espontâneos, mais igualmente idiotas. Se valem dos estudos, pesquisas, seminários, currículos acadêmicos aos montes para cuspir palavras impublicáveis à linguagem jornalística, sabidamente compreensível a qualquer leitor. E lambem os beiços ao massacrarem o repórter ao fazer uso da única ferramenta de que conquistaram ao longo de décadas: o conhecimento teórico.

Claro, há também os pseudos-intelectuais, sob duas divisões: os que já se acham intelectuais e os que buscam o inútil status. Os primeiros, claro, conseguem passar ilesos por muitos debates e entrevistas sem escorregos. Até demonstram alguma segurança nas respostas. Mas basta uma pesquisa no Google e muito da teoria explicada cai por água abaixo. O segundo é aquele que quer entender de tudo e não entende de nada. É mais ou menos o estereótipo de muitos jornalistas.

O intelectual clássico, diria até ideal, é parecido com o Marcos Silva. Nem foge nem busca a mídia. Atende com simpatia, se procurado. Recebe as perguntas, idiotas ou perspicazes, com a mesma desenvoltura. Isso porque sabe o posto conquistado após décadas de trabalho intelectual. E sabe que essa foi a sua opção de vida, e não a do colega ao lado. Sequer se esforça para parecer didático. Apenas o é. Sabe que as palavras difíceis servem ao academicismo, até à literatura. Se cala se o repórter não pergunta. Complementa se falta algum questionamento necessário.

Há ainda uma espécie de derivação do intelectual clássico. É o intelectual desleixado. São aqueles poetas malditos, escritores boêmios, aqueles de jeito bonachão ou até recolhidos em seus refúgios mentais. Lembrei de François Silvestre. Ele disse algo semelhante no prólogo de Remanso de Piracema. Lembrei também de João Gualberto, este, encaixado nos tais refúgios, como se vivesse em um mundo a parte...

Marcos Silva é diferente de François e João Gualberto. Foi o que achei. François rejeita a alcunha de intelectual. Marcos, não. E nenhum está errado. O primeiro, se acha melhor em um bar, com amigos. O segundo, na universidade, com alunos. São opções, filosofias de vida. Questão mesmo de prazer em beber, papear; em aprender, ensinar. Ambos os tipos são leitores vorazes e guardam uma senhora bagagem nas costas. E se abrir a mochila, tenha certeza, não encontrarão nenhum caviar ou avatar.

OBS: Nesta terça-feira sai publicada breve entrevista com Marcos Silva, no Diário de Natal, a respeito do excelente livro Metamorfoses da Linguagem, a ser lançado na Siciliano na mesma terça, às 19h.

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