Hoje é dia de despedida. E se o movimento Baixo de Natal ironizou a necessidade dos artistas partirem em debandada da cidade por falta de prestígio e espaço, dessa vez a partida é real. Um dos maiores intérpretes da música potiguar, multi-instrumentista e compositor de quase 400 canções se despede de Natal com show hoje no Castelo Pub. Júlio Lima tentará carreira no Rio Grande do Sul - uma fuga da cidade que insiste em olhar para o Atlântico sem saber qual o chão que pisa.
O nome do show se chama Sol Novo. São novos ares, novos palcos longe da Cidade do Sol onde o sol não nasce pra todos. Começa às 22h. Participam da despedida a Orquestra Boca Seca, a banda Organos, Esso Alencar, Letto entre outros convidados partícipes de uma história longa na música potiguar. São mais de dez. "Esse show marca o fim de uma era e o começo de outra por isso mesmo o repertório vai ser um apanhado de todo o trabalho autoral que realizei até hoje na cidade".
No set list, canções de um repertório vasto que compôs um dos melhores álbuns de 2009 e emplacou a canção Há sempre música com o segundo lugar na categoria Melhor Composição e vitória à performance de Júlio como o Melhor Intérprete, na quarta edição do Festival MPBeco. O CD produzido de forma independente traz músicas já conhecidas do público como Enlatado, Coagulado, Canudos (inspirado no clássico Os Sertões, de Euclides da Cunha) e a canção-título.
A viagem também foi incentivada pelo convite do ex-produtor Eduardo Marques, agora em terras gaúchas. "Ele está divulgando meu trabalho por lá e diante de uma boa aceitação do trabalho, me fez o convite para começar a circulação do meu CD. Achei o RS uma proposta interessante. Muita gente fala que meu som é para o Sul, apesar de cosmopolita como o de vários potiguares que conheço". E sentencia: "Esse negócio de rótulo é muito forte dentro de nossa terra e só atrapalha, como também a guerra dos egos que acorrenta os pés do elefante".
As oportunidades do Sul também abrem brechas para a ponte aérea direta com São Paulo, onde há amigos potiguares do músico na mesma lida e busca por melhor espaço. "Acho Natal o novo pólo da música brasileira. Digo isso sem medo, observando o trabalho de gente como Valéria Oliveira, Khrystal, Rosa de Pedra, Camarones Orquestra Guitarrística, etc. A qualquer hora vai explodir, acontecer. Era o que pregávamos no nosso slogan do Mpsol: 'O Big bang do elefante, vários corpos artísticos num pequeno espaço tende a explodir'".
E os gaúchos se preparem para a explosão. A energia vocal de Júlio parece libertar músicas aprisionadas há séculos. É pura potência afinada à virtuose instrumental de guitarras, batuques e grooves. Sua coleção de músicas foge ao rótulo conceitual. Parte do regionalismo e alcança o patamar cosmopolita de letras e ritmos universais.
Da influência erudita ao rockJúlio Lima construiu uma carreira sólida na música potiguar. Integrou bandas lendárias como Alcatéia Maldita e liderou o movimento musical MPSol. Para retratar melhor a versatilidade como musicista e compositor, basta lembrar a participação nas bandas The Skareggae, Velvet Blues e Delta 9, e no período como contrabaixista na Orquestra Jovem de Natal.
Apesar das visitações aos campos floridos da música, é no rock onde o músico está mais afinado. A voz rouca, grave e visceral é encaixe perfeito ao som distorcido da guitarra. A influência musical foi iniciada pelo pai, o baixista e membro fundador da Orquestra Sinfônica do Rio Grande do Norte e ainda cantor de uma das grandes instituições musicais do Estado, o Coral Canto do Povo. O nome dele é Carlos Alberto de Lima, o Carlão.
Mesmo sob influências do canto regional ou da música erudita, o aprendizado musical de Júlio Lima não o distanciou do gênero endeusado por nove a cada dez normais. O virtuosismo na execução da guitarra ou do contrabaixo aliado aos dons vocais naturais projetam Júlio ao rock. Não houve escapatória. Naquele início da década de 80 era essa a pedida dos jovens com algo a dizer, a mostrar e protestar.
A música que abre o novo CD mostra que Júlio Lima não perdeu a pegada iniciada naqueles anos de consumo. Em O Muro, ele canta com a mesma força presente na canção: "Caldo de cana/ Menina bacana/ O sol na pestana/ Mais uma semana na vida// Surfo nos problemas com os meus dilemas/ Quero ter consciência/ Pra poder evoluir// Mantenho a fé/ Que é o que me ergue/ Quando inevitavelmente arrebento/ com a minha cara no muro".
Essa é a atmosfera da música de Júlio Lima: cargas sentimentais carregadas, temáticas universais, frases cortantes e esperanças desencorajadas retratando com alguma fidelidade o cinza nebuloso dos tempos atuais. Há também toques de comicidade, como no samba Pária ou na sátira Sauron Dançou. A mostra mais fiel de Júlio Lima e metáfora de sua trajetória é a reconhecida Há sempre música, onde "há sempre timbres colorindo o espaço sonorode um pensamento".
Show Sol Novo – despedida de Júlio LimaParticipação: Orquestra Boca Seca, Organos e outros
Onde: Castelo Pub (Rota do Sol, em frente ao estádio do ABC)
Data e hora: hoje, às 22h
Ingresso: R$ 10 (no local)
* Publicado hoje no Diário de Natal- Foto: Deyse Areias
Chegando agora do show, simplesmente ótimo. Tanto a Organus como a Boca Seca estão de parabéns e o memoravel Júlio Lima fez o que melhor sabe fazer, encantar e levantar a todos com sua música.
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