quarta-feira, 17 de junho de 2009

Com François Silvestre

François Silvestre ressurge na literatura. Remanso da Piracema é outro enigma deixado pelo escritor. Como em A Pátria Não é Ninguém, a verdade desfila na corda bamba. Os dois romances são narrados em primeira pessoa. Parece mesmo história (ou estória?) vivida. Quem conhece o mínimo do passado do autor reconhece nas descrições a pessoa de François como protagonista. Mas há o mistério. Ora, qual graça teria ler Moby Dick, de Melville, sabedor de toda a verdade a respeito do autor e sua obra? A ilusão conforta o espírito. Melhor assim.

Frederico de Deus Perdoe é o observador e narrador das cenas. São paisagens sertanejas de grotas, espinhos e amanhecências. Também a ambientação dos cabarés de Caicó e da Ribeira natalense, o cantão Grande Ponto, a vida intelectual da cidade... O nome sintomático do protagonista denuncia o início do enredo. Frederico nasceu da morte da mãe. É mergulhado em culpas inocentes. Parece personagem das novelas dostoievskianas. Vive a problemática universalista, mesmo sob chãos tão regionais. A vida quase cigana é de fuga das aflições. Não é propriamente um retirante clássico, das narrativas de Patativa do Assaré. Frederico busca em São Paulo o sossego das angústias universais. É mais um entre tantos. E por isso, tem a humanidade aos seus pés.

Quem detalha o perfil de Frederico é o escritor Honório de Medeiros, na orelha do livro: “(...) ele é um observador engajado de si, dos outros e das coisas, que vão ressurgindo – seja no viés alegre que a primeira leitura dos seus relatos exponha; seja no viés melancólico que surge quando mergulhamos em uma releitura – via articulados engastes frasísticos, esteticamente surpreendentes, expressos em sínteses vestidas de paradoxos estilísticos”. E continua: “(...) se eu descrevo minha aldeia, ou minha saga, descrevo a terra inteira. Se eu disser um homem, digo toda humanidade”.

Na simplicidade dos personagens e cenários vividos, François expunha pedaços personificados de seu cotidiano. É sabedoria sertaneja misturada à intelectualidade indesejada ao autor. Seja no arcabouço de expressões peculiares ao sertão, seja na filosofia prática de vida deixada em cada personagem. Ou na poesia achada. Mesmo quando demonstra desconhecer um poeta: “É um feitor de verso ou um desinventor da vida? Um desrimador da sorte? Ou quem se equilibra na lâmina da rima? Ou quem sabe desperguntar as perguntas? Ou quem sabe desresponder as respostas? O que é um poeta? Talvez um desinventor da invenção? Metáfora é o miolo ou a casca da poesia? Poesia é pergunta ou resposta? Poeta é o que faz versos com palavras ou quem faz da vida sua poesia?”.

Como nos últimos livros de François – A Pátria Não é Ninguém e Alças de Agave – o texto é enxuto como borracha. Rimado na prosa, em perfeita cadência. É característica do autor a construção técnica das frases. Sempre diretas; curtas (não passam de duas linhas e meia em qualquer página do livro). Lembram a objetividade de um Hemingway. Os adjetivos e preposição são mínimos e necessários, como os gerúndios. Em Remanso da Piracema, as orações recebem ainda a poesia dos cenários e costumes sertanejos. Ou a melancolia disfarçada e a alma despida de hipocrisia dos puteiros de outrora: “A dignidade do cabaré é uma fotografia da arte. É a naturalidade do nu. É o gozo sem culpa”.

Trechos do obra mal conseguem esconderijo por trás do pensamento de Frederico. Mesmo na voz da tia, na segunda parte do livro. É François cagado e cuspido. É seu espírito neoanarquista. De quem aprecia o desalinho das casas tortas. Frederico, como François ou qualquer outro, sob perspectiva niilista, foge da vida; da solidão. E longe, tem vontade de piracema; da volta ao seu chão. É fome de viver.

Com François Silvestre

Onde está Frederico e onde está François no livro?
François Silvestre - Em todo canto e em canto nenhum. Minha vida foi bem diferente da de Frederico. Frederico é filho de puta e não tem pudor para ganhar dinheiro. Muitas das opiniões filosóficas dele também são diferentes. Mas as lembraças de Caicó, de Natal, da Arpege, são quase as mesmas.

A solidão é o elemento mais presente na obra?
Ah, aí é sim; a solidão é mais presente. Até em mim.

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