A arte é a primeira via escapatória da dor. E a dor advém da vontade irracional do homem. Portanto, a vida é sofrimento. E a arte é a alternativa capaz de levar o homem à vontade racional e de o livrar, por algum tempo, do sofrimento inato da existência. Esse é o pensamento do filósofo alemão Arthur Schopenhauer, também defendido por Nietzsche. É também a filosofia de vida adotada pelo artista plástico Ivo Maia. Quem caminha pela Cidade Alta com olhares de flaneur percebe um recanto colorido pela simetria de formas quase matemáticas ou metafísicas. É o Beco das Cores, galeria aberta ao público fincada no Shopping Popular do Centro, na movimentada e cinzenta Avenida Rio Branco.
Ivo Maia expõe ali seus pedaços de vida, seus filhos imortais. São telas representativas do que chama de uma nova escola das artes plásticas pós-modernismo. O estilo Mundo Ignorado tem origem numa expressão latinizada. Representa uma nova linguagem preocupada com o equilíbrio simétrico das cores e formas de um mundo enigmático. Segundo Ivo Maia, a origem do estilo parte de pesquisas metafísicas das cores e do simetrismo matemático. “Esse emaranhado, esse coquetel ou receita artística proporciona algo inovador, progressista. Para alguns críticos é algo ainda indefinido tamanha a profundidade. Daqui a 100 anos será pequisado para as futuras gerações”, vislumbra.
De certo, estilo Mundo Ignorado retrata um universo desconhecido a espera de descobrimento ou mesmo atenção. Foge do tradicional, da mesmice, do ultrapassado. “A arte precisa de evolução, novas técnicas e dimensões capaz de despertar novas reflexões e interagir com o novo mundo”, argumenta. E qual a necessidade desta geração confusa de uma era de falência de sistemas políticos, evolução acelerada dos meios de comunicação, novos questionamentos morais e uma nova gama de conceitos científicos? Equilíbrio. “A arte é, naturalmente, um dos equilíbrios sustentadores da raça humana. Nos traz direitos e belezas. E o Mundo Ignorado produz movimento, interação e, a partir da contemplação, novas formas, cores, ideias e leituras”.
Arte democratizadaSegundo Ivo Maia, para ser artista precisa conhecer, controlar e transportar a experiência para a mente, da mente à memória, e dela à matéria responsável por consubstanciar a arte. É o que este artista plástico natural de Catolé do Rocha, na Paraíba, tem feito. Radicado em Natal há 23 anos, Ivo largou outras atividades de professor de educação artística, operador de Raio X e técnico industrial para se debruçar em pesquisas e produção de arte. “Um dos direitos requeridos pela arte é o tempo. Dispenso muito tempo com a arte. Fecho e abro meus olhos com a peça à minha frente. Isso me desperta uma gama de sensações indescritíveis. E dessa maneira arrisco meu futuro na truculência do mistério do saber”.
O risco tem sido válido. Ivo Maia é dos raros artistas que vivem bem hoje da arte. A metodologia usada para isso vai além do mergulho “arriscado” no mundo lúdico e abstrato da arte plástica. Vai também ao encontro com o povo. Enquanto galerias como a Anjo Azul ou a do Centro de Turismo expõem vitrines inibidoras ao acesso do público, Ivo preenche de colorido e formas seu Beco das Cores - um espaço aberto, exposto ao sol, à chuva e à contemplação livre e descompromissada; à qualquer língua, etnia, raça ou status social. Outro diferencial é a livre negociação de valores das peças. “Não coloco tarjas de preços. Negocio na hora, parcelo. E assim atraio empresários, políticos, comerciários, comerciantes e artistas de vários gêneros”.
Como classifica o artista, a galeria Beco das Cores funciona como um cartão postal da Cidade Alta, um pingo colorido no balde cinzento do bairro histórico, desprovido de espaços semelhantes. “As peças são todas arrematadas. Posso afirmar que tenho um mercado consumidor, vivo da arte e sou bem sucedido. Por isso reivindico às autoridades políticas apoio ao artista. Se houvesse investimento nesta galeria outros poderiam ter a mesma oportunidade”.
Mundo reconhecidoSe o estilo adotado por Ivo Maia pretende despertar reflexão para um mundo até então ignorado e produzir novos conceitos a partir de uma nova arte conceitual, suas peças já pertencem a um mundo reconhecido e desejado por qualquer artista. O trabalho de Ivo Maia já foi exportado a países como Marrocos, Espanha, Bélgica, Itália, Japão, Estados Unidos, diversos estados brasileiros e outras adquiridas pelo ministro da Cultura, Juca Ferreira, quando esteve em Natal. “A governadora Wilma de Faria também comprou um para presentear o presidente Lula. Tenho uma foto do presidente levantando a peça e mostrando ao público”.
O reconhecimento não é à toa. Além de vencer a premiação dos três principais salões do segmento: o salão Abrahan Palatinik, Thomé Filgueira e de Arte Contemporânea, Ivo Maia trabalha em média 12 horas por dia. Uma peça é elaborada em no mínimo duas semanas. A tela exposta no salão nobre da Assembleia Legislativa dispensou 42 dias de esforço. “Toda peça é interminável. Apenas assinei a obra quando chegou seu tempo”. A inspiração para a construção de suas obras vem muito da morada próxima a uma reserva ecológica, no baixo vale do Ceará-Mirim.
E dessa rotina vivenciada a partir do alicerce da arte, também com trabalhos poéticos/literários, Ivo Maia empurra seus dias com alegria, longe da dor inata e originada a partir das vontades irracionais do homem. Para que a alegria não seja um paliativo, Ivo se cerca como pode deste mundo. Ivo já tem 20 músicas gravadas por artistas renomados do Estado. Mas é nas artes plásticas onde Ivo se encontra: “Minhas telas surgem das minhas entranhas. Meus filhos biológicos um dia morrem. Mas minhas peças são imortais”.
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