Só vale-cultura não garante consumo cultural
Por Antoine Kolokathis*
Proposta do Governo Federal que tramita no Congresso Nacional, o chamado vale-cultura é o tipo de idéia que vem recheada das mais nobres e boas intenções, mas que, na prática, pode gerar o famoso “tiro que sai pela culatra”.
Trata-se de um projeto de lei que prevê a empresas a possibilidade de repassarem, com dedução fiscal, 50 reais mensais a seus funcionários que recebam até cinco salários mínimos para compra exclusiva de produtos culturais.
Em primeiro lugar é consenso que é absolutamente necessário dar condições para que todo brasileiro possa consumir cultura. Isso é inquestionavelmente bom par as pessoas e para o país. Mas não é verdade que uma simples distribuição de um vale-cultura vai garantir o consumo de bons produtos culturais.
Modéstia à parte, posso falar com autoridade sobre esse assunto.
Nos últimos 10 anos, tenho trabalho diariamente para produzir espetáculos culturais gratuitos, com incentivo de leis culturais, direcionados também para esse tipo de público não habituado a assistir apresentações tradicionais de arte e cultura: peças de teatro, shows de música erudita ou instrumental, espetáculo de dança etc.
Todos os eventos culturais que produzo são gratuitos. É posso dizer que pouco adianta um público “não-formado” como consumidor de cultura ter “dinheiro” para consumir bens culturais se ele não tiver: “educação para entender e valorizar” a obra cultural e, principalmente, acesso a bons equipamentos culturais.
Falando de modo bem prático, se um trabalhador das regiões mais periféricas do nosso país tiver 50 reais no mês para gastar em cultura, mas não tiver “formação educacional” para isso ou não tiver o “equipamento” cultural adequado ao seu alcance, é bem provável que ele gaste esse recurso, por exemplo, consumindo revistas de pouco valor cultural em bancas de jornal.
Como já disse, trabalho há pelo menos 10 anos com projetos culturais que visam formar público.
E tenho plena certeza de que a formação de público para bons produtos culturais, a criação do hábito social de prestigiar e consumir a cultura, passa inquestionavelmente e em primeiro lugar pela escola.
É nela que a pessoa precisa ser educada a ter o gosto pelo consumo cultural. Se isso não for feito diretamente no banco escolar pouco vai adiantar dar um “dinheiro” para o cidadão simplesmente comprar algum bem de cultura.
Em segundo lugar, o problema passa pela infra-estrutura cultural das nossas cidades, cujos bairros de periferia carecem de equipamentos culturais consistentes.
Em terceiro lugar, é preciso elaborar uma programação de produtos culturais planejados e disponibilizados justamente para isso: para formar público.
Sabemos, mesmo que empiricamente, que há muita gente que, embora educada e com acesso à equipamentos culturais, não tem o hábito de freqüentar museus, espetáculos de dança, concertos eruditos...
Precisa-se então pensar uma produção cultural planejada para seduzir e atrair essas pessoas.
Além do que, será um erro bastante grave fazer o vale-cultura competir com o incentivo fiscal das leis culturais, como a Rouanet, o que poderá por em risco todo mercado cultural que hoje trabalha e produz cultura com base nessas legislações.
Este ano, produzi no Brasil uma excursão do Quinteto Villa-Lobos, um dos mais renomados do país, por seis estados brasileiros, só com apresentações gratuitas, viabilizadas com patrocínio empresarial via lei Rouanet.
E em todas as apresentações, a maioria do público que compareceu não foi o tipo de público que deverá receber o vale-cultura. E foram todas apresentações gratuitas.
Ou seja, não adianta “apenas dar dinheiro”. Não adiantar criar mais um tipo de “bolsa”.
Se quiser que se consuma cultura no Brasil, precisamos urgente de uma profunda política e estratégia de formação de público cultural.
*Antoine Kolokathis é um dos mais atuantes produtores culturais do país. É diretor-fundador da Direção Cultura (www.direcaocultura.com.br), produtora cultural de Campinas que em 10 anos de existência já produziu dezenas de grandes projetos culturais gratuitos, aprovados em lei de incentivo à cultura, sempre visando educação e formação de público.
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