Ex-sindicalista e político macauense lança livro de memórias na noite de hoje na Siciliano do Midway
Quase 80 anos traçados a partir da memória combatente de um comunista ainda crente na justiça social a partir do marxismo e do leninismo. O ex-sindicalista e político Floriano Bezerra de Araújo conta hoje 82 anos. Foi preso político, torturado e exilado. Os costumes camponeses onde viveu por décadas a fio também estão presentes no livro de memória Minhas Tamataranas: Linhas Amarelas (Sebo Vermelho, 425 pág, R$ 40). A obra será lançada às 19h na livraria Siciliano, Midway.
As descrições poéticas da infância ruralista se misturam à dura realidade da política sindical e dos horrores do período ditatorial no Brasil. Floriano foi militante de esquerda e um dos presos políticos enviados à prisão na ilha de Fernando de Noronha. Nas palavras do também ex-militante Juliano Siqueira, Floriano Bezerra era a voz que “se levantava em favor dos operários, camponeses, estudantes do povo brasileiro, com altivez e sem fronteiras. Voz cheia de verdade e sal”.
O sal vem das pirâmides alvas de Macau. À época dos anos de chumbo, a cidade era importante celeiro de trabalhadores salineiros e importante centro econômico do Estado – ambiente propício ao debate político, como frisou a doutora em História, Maria Conceição Fraga, na apresentação do livro. No prefácio do jornalista e cronista Vicente Serejo, Macau é “paisagem mais completa que aqui se ergue, rosto a rosto, como um mural de recordações. Floriano é o seu pintor, seu mestre de cerimônia a soprar vida para fazer voltar o tempo e vivê-lo outra vez”.
Serejo ainda recomenda: “Nestas memórias, Floriano Bezerra não se furta a trilhar as emoções antigas do menino e sua baladeira de gancho de marmeleiro. Das vivências nos sítios e fazendas onde passou os dias mágicos da infância. De outra vez sentir o cheiro gordo dos queijos que sua mãe fazia numa fazenda onde passaram a viver. Das lições da professora, Sabina Pinheiro, mestre-escola, que para ele sabia beber o néctar da felicidade e viver feliz, como num milagre. Nada aceita omitir. Revela-se por inteiro”.
Entre poemas e lembranças infantis, a luta operária recai como chumbo na vida e na autobiografia. Uma trajetória metaforizada na figura simbólica do peixe Tamatarana, pescado rotineiramente por trás das pirâmides salineiras, no Pontal do Alagamar. Na poética apresentação, o autor revela as descrições do peixe, também retrato das “reminiscências que viajaram cravejadas na lousa fria do tempo. Lembranças, carnes vivas arrancadas do mais profundo de minhas emoções, galvanizadas em minha mente nas interfaces dos meus quatro anos até este limiar espetacular do século 21”:
“O pequeno animal nada veloz em cardume no semi-espelho das águas montantes, e sua altivez notada não aceita sem resistência cerco opressor de armadilha que lhe seja imposta pelo homem predador. No qual reage e luta até vará-lo/ou vence-lo enquanto durem as energias”.
Floriano Bezerra conta hoje 82 anos. Na contramão da morte gradativa das ideologias juvenis do tempo-hoje, ainda nutre esperanças em assistir a justiça social tão buscada a ferro, fogo e sangue naquelas revolucionárias décadas de 50 e 60. “Este livro, muito mais do que aos amigos e velhos conhecidos, leva como destinatário a juventude brasileira. Ainda acredito nela e no marxismo e leninismo; na sociedade onde os todos possam se confraternizar de forma igualitária, mesmo neste mundo tão poderoso e tanta injustiça social”, sonha o autor.
Amparado nessa esperança vã (?) da utopia buscada naqueles tempos de ideologias e quebra de paradigmas latentes, Floriano Bezerra construiu uma vida calcada em seus sonhos. E neles, as glórias e agruras comuns aos bons combates. “Tempos bons, e meus piores dias”, escreveu. E disse mais: “Gratos momentos de liberdade, e sonhos arrojados de fazer pelo bem coletivo/ou bem comum. Horas e noites de triste escuridão. Instantes impacientes pelo iminente que poderia acontecer, fatos repreensíveis, abomináveis por quantos lutem, cultivem, admirem e amem a liberdade”.
O autor conduziu os fatos na linearidade dos acontecimentos. A motivação para o registro imortal dos acontecimentos em páginas de livro remonta o ano de 1976, instigado por amigos e pesquisadores que encontravam em suas lembranças informações preciosas para seus trabalhos acadêmicos e literários.
“Em 1979, comecei a datilografar alguma coisa. A questão é que livro de memórias são escritos geralmente por familiares após a morte do biografado, justo para evitar colisões com alguns figurões. E também por gostar de viver e não querer pensar que estou com o pé na cova, sempre relutei em continuar”. Foi uma enfermidade acometida em sua mulher, Francisca da Fonseca, e os momentos de solidão e apreensão no hospital que instigaram novamente Floriano a escrever suas memórias.
Dessa forma, o autor escreveu, como ele mesmo afirma, “uma narração autêntica, de compromisso tão somente com o povo, o proletariado organizado/ou puro respeito às gerações que estão chegando, e hão de vir, que possam lê-la, ou dela tenham conhecimento na oralidade popular. Pois, sei, estou em tarde outonal de vida – encruzilhada em que as ilusões só arrefecem e as desilusões vão me seguindo rumo ao desconhecido horizonte do grande Cosmo, talvez preludiando trevas sem fim, ou uma outra configuração de grande luz na vertigem da cosmogonia eternizada, mágico enigma do homem e da vida”.
Lançamento literário – Minhas Tamataranas: Linhas amarelas
Autor: Floriano Bezerra
Data e hora: Hoje, às 19h
Onde: Livraria Siciliano (shopping Midway)
Valor: R$ 40
* Esta matéria deveria sair hoje no Diário de Natal. Não sei os motivos, mas preferiram assuntos de fora: um filme de Padre Cícero no cinema. Deixo neste espaço meu testemunho a respeito do autor, Floriano Bezerra: uma pessoa encantadora, destas ditas raras. Mesmo aos 82 anos, ainda um sonhador e perfumado pela simplicidade autêntica que só os sábios possuem.
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