segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A quem servem os teatros potiguares?

Natal é cidade estranha. Construída sob dunas, aqui nada se sustenta. É o que supõe a atriz Quitéria Kelly. E não é pra menos. Se Khrystal lota grandes teatros em outros estados, na Natal de poetas em cada esquina e jornais em cada beco, ela não se arrisca em show solo no Teatro Alberto Maranhão. É prejuízo na certa, mesmo com ingressos populares. Esse desprestígio com a cena local é quase antropológico. Merece estudo aprofundado, ainda inédito - uma análise além das superficiais reclamações do espaço dito elitizado no Teatro Riachuelo aos artistas locais.

Nenhum potiguar lotou o TAM com show solo e ingresso pago. Dessa maneira, o principal teatro público do Rio Grande do Norte fica inviável ao artista local. A matemática é simples: a pauta mínima do TAM custa R$ 700. Ingressos a R$ 20 e R$ 10 (meia) chegam a uma média de R$ 15. Se preenchidos os 600 assentos, renderiam R$ 9 mil. O valor seria razoável para pagamento de cachê do cantor, dos músicos da banda, da pauta do teatro, produção, equipamento de som e luz, e divulgação. O problema é: não lota. E o que seria razoável se torna inviável.

Que dizer, então, de um teatro privado e luxuoso? A pauta mínima do Teatro Riachuelo é R$ 8 mil. É o valor necessário para cobrir custos de equipamento de primeiro mundo e artistas à altura, ou pelo menos com popularidade suficiente para lotar o teatro e viabilizar o show, com lucro - por maior ou menor que seja - para produtores, realizadores e artistas. Sem falar do próprio investimento de R$ 50 milhões na construção de um teatro único no estado. Ou no conforto oferecido no quesito segurança, estacionamento, localização e serviço de restaurantes.

Diante dos cálculos, qual a solução para o artista local desfrutar dos melhores palcos da cidade? Abrir shows dos nomes nacionais. É a fórmula do projeto Seis & Meia e outros, patrocinados pela iniciativa privada. Foi dessa forma que Khrystal se apresentou no Auto de Natal para 23 mil pessoas no Machadão e foi aclamada antes do show de Roberta Sá. Projetos formatados apenas com artistas potiguares a exemplo do Poticanto ou Cantando & Conversando, ficam limitados a palcos menores como o Teatro de Cultura Popular, Casa da Ribeira e outros.

Essa fórmula usual de artistas local e nacional tem sido buscada pelo produtor José Dias e Carlos Konrath, diretor da empresa Opus, responsável pela programação do TR. Ambos pretendem levar o artista potiguar aos dois principais palcos do Estado. José Dias apresentará nos próximos dias um projeto ao Governo do Estado para um show mensal no TAM. Independente do apoio, o primeiro show já foi agendado para março, com Renato Braz e Zé Renato, e abertura com Khrystal. "Não é um Seis & Meia. A ideia é firmar parceria com o Governo e não deixar o TAM ser o pobre menino da história", disse o produtor.

Caso o Seis & Meia voltasse com dois shows ao mês e o projeto de Zé Dias fosse aprovado, o TAM preencheria três semanas com apresentações de potiguares e shows nacionais de qualidade a preços populares. "Vou arriscar esse primeiro show na cara e na coragem para tentar patrocínio para o próximo e consolidar a ideia. Assim surgiu o Seis & Meia", ressalta o produtor, já com um segundo show engatilhado para o projeto, com o Quinteto Violado. A Petrobras convidou Zé Dias a apresentar projeto para uma ação no TAM, no mês de outubro. "Não podemos deixar o TAM morrer", conclui o produtor.

Shows de abertura e incentivos público-privados
A Petrobras pode ser a responsável por abrir as portas do Teatro Riachuelo ao artista potiguar. Leila Pinheiro deverá estrear um projeto ainda em sigilo, com abertura do show por algum talento local. Carlos Konrath não confirma. Mas adianta que tem "trabalhado em projetos que impulsionem a cultura local e formem nova plateia". Segundo ele, em Porto Alegre foram criadas condições para que 17 mil pessoas que não teriam acesso ao Teatro, pudessem assistir grandes espetáculos. "Mas isso depende de amadurecimento e dos poderes público e privado", pondera.

A atriz Quitéria Kelly lembra de projetos bem sucedidos de ocupação do TAM e, com parcerias públicas e privadas, poderiam ser estendidos ao TR. "O Projeto Escola vende ingressos para alunos que normalmente nunca entraram num teatro, em shows musicais e espetáculos de teatro promovidos durante a manhã e tarde, quando teatros geralmente estão fechados. Ajuda a formar plateia, dá oportunidade ao artista e tem viabilidade aos realizadores". A atriz lembra ainda do edital Auxílio Pauta, lançado pela Funcarte em 2009. Cada um dos cinco grupos contemplados montaria temporada com quatro pautas no Teatro de Cultura Popular, Casa da Ribeira ou TAM. Mas o edital não foi pago.

* Publicado domingo no Diário de Natal

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