segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Ciganos: miséria e perda de tradições

Ciganos tentam preservar tradições em meio a situações desumanas, preconceito e falta de assistência pública

Você é a favor da cota racial para negros em faculdades? E de fatias de reserva do território brasileiro aos indígenas? Independente da opinião, os direitos ou a questão do negro e dos índios têm sido discutidos no Brasil. Alheio a toda e qualquer política pública voltada às minorias raciais, os ciganos permanecem esquecidos e em situação indigna, às vezes insalubre. A questão difere de outros sem número de miseráveis espalhados em periferias de Natal ou do mundo. A perseguição policial, rixas internas entre tribos e preconceito têm contribuído pouco a pouco para o fim da cultura cigana. E em Natal ou no Rio Grande do Norte é ainda pior.

Exemplo concreto do preconceito contra a cultura cigana foi visto durante o 1º Fórum do Ensino Superior sobre os Desafios Para o Ensino de História e Cultura Africana e Indígena, ocorrido em São Paulo há alguns dias. O nome pomposo do evento já exclui a questão cigana, também parte da miscigenação do povo brasileiro. A primeira leva cigana chegou ao Brasil no início do período colonial e rapidamente se espalhou pelas capitanias hereditárias. As características nômades fizeram dos ciganos desbravadores do território brasileiro, como foram os Bandeirantes. Mesmo em menor número, aportaram no Brasil em época próxima à importação de escravos negros no país.

Hoje, restam cerca de 250 mil ciganos no Brasil. Faltam, inclusive, dados precisos a respeito. A estimativa é de que vivam 3,5 mil no Rio Grande do Norte. A maioria está fincada em vilas periféricas em Natal. Vivem em situação desumana. O rancho central está situado no conjunto Nova Natal, comunidade de Cidade Praia, na Zona Norte. Para lá convergem muitas das tribos em encontros comemorativos. A área onde vivem amontoados pouco mais de 40 ciganos é de ínfimos 40 metros quadrados. A higiene ou estrutura das casas são precárias. Convivem com ratos. Passam fome. O acesso à rede de saúde é dificultado. Crianças são barradas em escolas e o alcoolismo e consumo de drogas são cada vez mais comuns entre adultos.


O cenário é comum em muitas periferias da cidade. Atinge brancos, negros e os ciganos. A diferença está na cultura dos povos. O nomadismo cigano está cada vez mais inibido pelo crescimento das cidades, segundo aponta Alcides Sales, membro do Centro de Pesquisa e Estudos Juvenal Lamartine, vinculado à Fundação José Augusto e estudioso há mais de dez anos da vida cigana no Rio Grande do Norte. “Antigamente havia mais terrenos a serem ocupados e os ciganos migravam entre as cidades. Sem ter aonde acamparem, alugam ou compram vilas de pequenas casas situadas me periferias ou próximas às feiras, onde realizam o comércio de mercadorias”, explica Alcides.

Em Natal, outro fator foi preponderante para o fim do nomadismo: a rixa entre duas comunidades: Fogos e Carnaúba (o rancho central). A guerra declarada provocou duas mortes. Para evitar mais perdas humanas, os ciganos decidiram fixar residência. “O nomadismo facilitava o encontro entre eles. A polícia também usava da violência para expulsar ciganos dos acampamentos para evitar mais conflitos ou a pedido dos proprietários dos terrenos (os poucos espaços que restaram)” Alcides comenta ainda que, impossibilitados de manter as tradições, muitos casam com pessoas fora da tribo, caem em depressão e se apegam às drogas e ao álcool, comuns a outras raças também sem assistência.

Eles tentam preservar costumes. O comércio é um deles. Homens vendem desde pequenos objetos até bicicletas e carros. Mulheres se mantêm na venda de joias e roupas. Dessa atividade vem o sustento da tribo. No Rancho Carnaúba, doze famílias de ciganos ainda se vestem a caráter. É das poucas características preservadas, além do dialeto cigano, guardado a sete chaves por qualquer tribo. A difusão da língua deles fora da tribo é penalizada com a morte, como também a violência contra a mulher. O casamento com pessoas fora da tribo ocasiona rejeição. O dialeto ainda é o que resta de mais sagrado e intocável na cultura cigana.

Audiência pública
A questão cigana foi discutida em audiência pública proposta pelo vereador George Câmara em 25 de maio. Estiveram presentes os ciganos do Rancho Carnaúba e representantes de outras tribos. A discussão resultou em visita da equipe da Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social (Semtas) à comunidade central. Além da constatação alarmante da situação, também ficou evidente a falta de documentos de identificação dos ciganos, necessários à inclusão da comunidade em programas sociais financiados pelo poder público, a exemplo do Bolsa Família. Quase a totalidade das crianças também estava fora da escola. Muitas sofrem preconceito pelos colegas ou são rejeitadas pelas próprias diretoras das escolas.

A desconfiança dos ciganos também dificulta a aproximação de qualquer entidade interessada em ajudar. Alcides fez a ponte entre a Semtas e a comunidade. “Para ser colega deles é preciso 10 anos de convivência. Para ser amigo, são 30. Por enquanto ainda sou colega”, conta Alcides. Uma nova visita foi marcada após 15 dias para levantamento sócio-econômico da tribo. Nada foi feito. A reclamação maior no Rancho Carnaúba é a ausência da Coordenadoria de Políticas Públicas de Inclusão Racial, sempre mais afeita aos negros e índios.


Raízes nordestinas
Seis tribos ciganas estão espalhadas no mundo. Os Sikhs permanecem na Índia desde o início da etnia cigana. Outras cinco rodam o mundo. No Brasil eles chegaram no início da colonização, ainda no governo Tomé de Souza. Os Calen foram os primeiros e chegaram pelo Nordeste, também em maior número. No Sul há o Kalderash e Romaní, e já são mais numerosos nos dias atuais. O dialeto une os costumes diferenciados em cada tribo ou clã. As informações são de Alcides a partir de conversas com os ciganos lotados em Natal. “São informações raras. Eles não revelam muita coisa; são desconfiados”. Os dados encontrados na internet também são desencontrados, pouco precisos. Resta a confiança de informações reveladas entre desconfianças e receios entre “colegas”.

* Matéria publicada domingo no Diário de Natal. As fotos são de Marisa Noia e dizem muito. A situação dessa gente é preocupante.

Um comentário:

  1. Onde está a Carta Magna deste país?!

    O Estado continuará negando direitos aos indivíduos, seja lá quais sejam suas etnias???

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