Luzes da ribalta reacenderão amanhã no lançamento do livro Belle Époque na Esquina. O escritor Tarcísio Gurgel resgatou pedaços de uma Natal perdida nos porões da memória; suja pela poeira do tempo. É trabalho minucioso de 400 páginas de reminiscências históricas. Um relato escrito sob o olhar modernista do escritor ao mirar a paisagem da província de muros baixos, que se descortinava aos novos valores estéticos da Belle Époque francesa. O lançamento literário será no charmoso e oportuno jardim do Palácio Potengi, Cidade Alta, a partir das 18h.
O desuso gradativo da ribalta é metáfora. Passada as duas primeiras décadas do século 20, Natal afasta, pouco a pouco, o glamour de uma nova era renascentista eclodida na capital do mundo: Paris. A Belle Époque teve início em fins do século 19. Natal era iluminada por lampiões. Mas veria a chegada de uma nova luz revolucionária de costumes, hábitos e produção intelectual. Um alicerce cultural sintomático de uma cidade desde sempre aberta às novidades do Atlântico e receberia, décadas depois, uma cachoalhada americana na matutice cosmopolita natalense.
A nova estética mundial chega à cidade na velocidade das charretes puxadas a cavalos. É trazida por líderes de oligarquias prósperas. Intelectuais de contato com o mundo fora dos muros da província e com o perfume parisiense já espraiado em capitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Recife. São jornalistas, escritores e políticos da estirpe de Manoel Dantas, os Albuquerque Maranhão, Juvenal Lamartine, Eloy de Souza e o arquiteto mineiro Herculano Ramos – nosso primeiro Giácomo Palumbo – responsável pela implementação eclética em Natal – pela art noveau – que tomava de assalto as fachadas do mundo.
Esse clima vanguardista e de certa euforia sócio-literária – sobretudo pela classe mais abastada, como o “principado do Tirol”, liderado por Câmara Cascudo – é retratado no livro de Tarcísio Gurgel. O acervo iconográfico também é rico e raro. Assim também são algumas informações, pesquisadas durante cinco anos para a elaboração da tese de doutorado do escritor. A linguagem do livro, embora escorregue em recuos acadêmicos e notas explicativas, é didática e detém ainda o talento ficcionista de quem já escreveu Os de Macatuba (2008).
O despertar da ideia de elaboração da tese de doutorado surgiu da lembrança de ensaios publicados por Tarcísio na década de 80, na então revista literária O Galo, à época editado pelo escritor Nelson Patriota. O fato descrito é a metáfora perfeita do rompimento do conservadorismo vivenciado em Natal até a chegada avassaladora da vanguarda modernista da Belle Époque. O jovem ensaísta Antônio Marinho reivindicava a poesia moderna e criticava o atraso da poética potiguar em relação ao mundo. Basta lembrar que em mais alguns anos, seria promovida a Semana de Arte Moderna de 1922, em Sampa.
O bode expiatório das críticas de Antônio Marinho era (talvez o nosso primeiro) poeta Segundo Wanderley. A ousadia de Marinho recaiu em ensaio publicado também no jornal A Tribuna – o mesmo em que colaborava Segundo Wanderley. Nessa época, lembra Tarcísio, a cidade era tão inexpressiva que o historiador Rocha Pombo registrou um costume da época, ao se perguntar por Natal: “Natal? Não há tal”, era a resposta. “Daí a motivação de filhos bem nascidos, mandados a estudar fora e em contato com as novidades e o ideário político que redundaria na proclamação da República. Eram ideias em fermentação desde a Revolução Francesa”, afirma o autor.
Essa vontade de modernizar e colocar Natal na onda vanguardista da Belle Époque, trazida por jovens idealistas da futura oligarquia da cidade, resultou em surto desenvolvimentista de Natal. “Houve mudanças não só no bom gosto nas relações interpessoais, mas modernização, implementação de atividades sanitárias, criação de novas definições urbanas e de novo bairro: a Cidade Nova, desmembrada em Petrópolis e Tirol, para onde as famílias mais aquinhoadas migraram, além de certa preocupação com a estetização da vida. As pessoas despertaram para esse novo olhar e perderam um pouco o provincianismo”, observa Tarcísio.
Prefácio de Sanderson NegreirosAlém de velejar sobre o mar de uma Natal esquecida, o livro traz ainda participação luxuosa de Giovianni Sérgio (fotografia da quarta capa), colaboração iconográfica do pesquisador Anderson Tavares, orientação do professor Humberto Hermenegildo, e colaboração dos jornalistas Woden Madruga (orelha), Vicente Serejo (posfácil) e Sanderson Negreiros (prefácio).
Este último produziu um texto irretocável a respeito da volta do ex-governador e “príncipe” da Natal parisiense, Alberto Maranhão a Natal. Corriam os anos de 1948 e 1949. Foi encontrado pelo professor Alvamar Furtado em sorveteria na estreita Avenida Duque de Caxias, na Ribeira. Era a imagem “de um velho retrato”, solitário. Sequer acompanhado de algum ex-fiel funcionário, como a atriz decadente do filme Crepúsculo dos Deuses (1950).
Assim, Sanderson descreve Alberto Maranhão, décadas depois do boom renascentista vivido em Natal: “(...) no olhar a paixão de estar só, de não conhecer mais ninguém, senão a de observar na tarde da Ribeira a certeza de que seu tempo áureo havia sucumbido; que o declínio havia permitido que a cidade continuasse no itinerário do seu chão, ainda recoberto de pobreza e falta de traços urbanos novos, e que todo o ciclo de vida para ele havia completado seu destino de estar só e desconhecido”.
Lançamento literário – Belle Époque na EsquinaAutor: Tarcísio Gurgel
Quando: Amanhã, às 19h
Onde: Jardins do Palácio Potengi (Cidade Alta, vizinho à Assembléia Legislativa)
Quanto: R$ 60
* Matéria publicada, em parte, nesta quinta-feira no Diário de Natal
Bela postagem, Sérgio.
ResponderExcluirValeu!