sexta-feira, 16 de abril de 2010

A praia revisitada


A nostalgia vive também o não-passado. A praia abandonada recomeça. Um novo encanto. Lembranças ressurgem claras. Como o tapete de areia. Uma anterioridade intocável. Um mundo incabível ao abraço do palpável. A natureza embora viva sequer desconfia da maravilha da revisita. O tédio das ondas de mesmo destino ceifou qualquer visão além. São como as catraias inertes no tédio das horas. A espera é a mesma. E há outros passantes mais alegres. Ainda estusiasmados com o belo natural. Sou apenas o que espreita. Porque seria notado?

A praia já não respira como antes. Sufocada, persegue a eternidade. Os arrecifes recebem chorosos em solidão o rebentar das ondas: já não há a flora ou fauna de outrora. O lixo de outros mares espantou a natureza viva de minha infância. Talvez por isso o cansaço da orla, alimentado pela desesperança dos dias de sol. A alegria alheia dos visitantes antecipa a estação da dor. Os veraneios são intermináveis à praia-refúgio. Antes a solidão dos dias invernais. Quando a alma congela e a tristeza dormente descansa da euforia forçada.

A melancolia da praia-refúgio é de cais de porto. Tem alma faroleira. E balanço lânguido como as palhas de coqueiro. Não é a melancolia freudiana, depressiva. Está intimamente ligada à alegoria, ao contido, ao reprimido, às esperanças torturadas. Uma alma perfumada pelo que um dia Kierkegaard apontou como inerente ao humano. Mas permanece ainda a sabedoria do eterno como sustentáculo dos dias. A praia lamenta tão somente o destino eterno das rotinas de maré. E o mar, com suas paredes de vidro, rodeiam um universo infinito de solidão.

O exercício de viver a melancolia acalma os dias intempestivos. A violência das ondas é empurrada pelos ventos ainda fortes. Nem de longe reflete os sentimentos da praia. São ventanias ainda de agosto; passageiras. Não se coadunam com a angústia nativa da praia ou do mar. Provocam o mar revolto e se afugentam em outros recantos tempos depois. É quando o mar, fora de si, me desperta o medo. Ora, o mar da praia-refúgio sente preguiça de sofrer e alongar a vida. Não é o mesmo das ondas bravias de agosto e setembro.

Talvez tenha eu um pouco daquele mar. Navegante de minhas lembranças de menino, respiro a brisa do lençol verde-escuro e guardo na solidão minha força maior. Sinto-me eterno no escuro da noite; mais leve nos dias de segundos congelados. A vida contemplativa carece da melancolia. Não é à toa, Goethe afirmou ser a melancolia uma submersão em um mar de sensibilidade. Esperarei os dias angustiados de calor passarem e levarem com os seus a doce ilusão da alegria. Só então provocarei o reencontro íntimo entre meus sonhos infantis e a praia entediada.

* Foto by Sérgio Vilar

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