quinta-feira, 20 de maio de 2010

O príncipe plebeu e seu biógrafo


Livro inédito disseca a vida de um dos maiores poetas potiguares, autor da Praieira: Othoniel Menezes

A Rua das Laranjeiras ainda lamenta o fim do poema. A última estrofe de um soneto ritmado pelo balançar lânguido das jangadas ou de serenatas ao luar. Uma poesia de altos e farras boêmias. Frases metrificadas e desgarradas, soltas pelo pioneirismo modernista. A história de Othoniel Menezes vai além da Serenata do Pescador – a popular Praieira. Daquela rua ribeirinha foi precursor de Jorge Fernandes na poesia moderna potiguar, assumiu cargos de chefia no alto escalão governamental e viveu a maior parte da vida como príncipe plebeu. Um príncipe da poesia, amante tímido da simplicidade.

A história do autor do hino natalense foi imortalizada em prosa, verso e canção. O biógrafo e escritor Cláudio Galvão iniciou as pesquisas para o livro em 1981 e reuniu um compêndio de informações raras e inéditas. Príncipe Plebeu: uma biografia do poeta Othoniel Menezes foi editado pela Fapern. Ainda sem data agendada para lançamento, o livro virá acompanhado de CD composto por nove poemas de Othoniel Menezes musicados por diferentes autores. Afora Praieira, e também Sereia – inserida em um LP produzido pelo projeto Memória, da UFRN, as outras canções são inéditas.

Cláudio achou antigos seresteiros que ainda lembravam das canções. Visitou cada um acompanhado de um violonista, gravou as canções e repassou as partituras em casa. Muitas delas compõem o livro A Modinha Norte-Rio-Grandense, também de sua autoria. A demora na confecção do CD tem adiado o lançamento do livro. O filho de Othoniel, Laélio Ferreira – que assina o prefácio – pretende uma grande serenata para o lançamento do livro, em frente à antiga morada do “xaria mediano e formoso da Rua das Laranjeiras (quanta mansidão nos olhos claros!) era e seguirá sendo, sempre, o meu Príncipe e meu pai”, escreveu.

Entrevista – Cláudio Galvão

Seu universo de Othoniel Menezes antes de iniciar a biografia se resumia à Praieira?
Isso. No início da década de 80 eu pesquisava as modinhas tocadas do começo do século no Rio Grande do Norte. E as modinhas de Othoniel eram muito comentadas. Descobri seu irmão, Francisco Menezes. Ele desconhecia as modinhas, mas sabia muitos detalhes da vida de Othoniel. Sem isso eu perderia metade do livro. E assim criei mais gosto pelo universo de Othoniel e deixei de lado as modinhas. Quando senti a dificuldade de publicar o livro, inverti os papeis. Por isso demorou tanto.

E a mescla do título?
Othoniel viveu fase econômica difícil. Em 1918, quando tinha 23 anos, já era muito culto e foi nomeado para uma espécie de assessoria do Governo, quase chefe da Casa Civil. Mas ele era muito bagunceiro. Nos fins de expediente caía na farra. E numa dessas se envolveu em um tiroteio na rua. Denunciaram o fato e ele foi despedido. Depois, viveu praticamente toda a vida desempregado ou em subempregos. A família passava dificuldades... Saiu de príncipe para plebeu. Veríssimo de Melo fez campanha para ajudá-lo, o Diário de Natal publicou matéria com título “Othoniel passa fome”. E outro fato é que em 1925, a revista literária Letras Novas instituiu Othoniel o príncipe da poesia potiguar.

Othoniel foi melhor poeta modernista que Jorge Fernandes?
Ele foi preferencialmente clássico. E dominava como raros a técnica do verso parnasiano. Fazia com maestria, sem artificialidade. A poesia fluía de forma espontânea. Tinha um ritmo impressionante, como se fosse frase dita de forma coloquial. Quando Othoniel estava em Macau, publicou poemas sem essa preocupação de rima ou formato dos sonetos. Eram poemas modernos, quando Jorge Fernandes nada havia publicado ainda. São poemas tão bons quanto os de Jorge Fernandes. Nenhum se destacou porque o próprio Othoniel desvalorizava, preferia os poemas clássicos. Ele fazia por fazer. E também nunca esteve junto ao grupo de modernistas defensores da causa. Cascudo, a quem Jorge Fernandes deve o sucesso, elogiou Othoniel como o maior poeta do Estado, mas o desvalorizava como modernista porque Mário de Andrade não aceitaria Othoniel – um poeta eminentemente clássico, sem o regionalismo dos modernistas daquela semana de arte de 1922. Uma vez Othoniel disse a Deífilo Gurgel: o maior poeta entre nós, na verdade, é Ferreira Itajubá. E eu concordo.

E a feição da longa Serenata do Pescador?
O momento é singular. Era 1922. Ocorria em Natal solenidades comemorativas ao centenário da independência no Brasil. E pescadores resolveram empreender viagem de barco ao Rio de Janeiro, em programação extra oficial. A notícia movimentou a cidade. Grande concentração popular para a partida. Naquela época notícias chegavam por telegramas. Quando chegaram à Bahia de Guanabara, foram recepcionados por Rui Barbosa, e Natal ficou em polvorosa quando soube. E Othoniel resolveu comemorar tomando cana nos botecos do Passo da Pátria. E ele havia sido escalado para declamar poema na chegada dos pescadores em Natal. Naquela madrugada boêmia ele escreveu Praieira. No outro dia, sentiu que o poema estava muito romântico e declamou outro, Cântico da Vitória. O poeta Bezerra Júnior, então, sugeriu a Othoniel que desse pra Eduardo Medeiros musicar. A música logo ganhou as serenatas e caiu no gosto popular.

* Matéria publicada no Diário de Natal

OBS: Depois coloco as sobras - por falta de espaço - da matéria, tão interessantes quanto as informações acima colocadas.

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