quarta-feira, 26 de maio de 2010

Um maestro do acaso


Por Gabriela Olivar
para o Diário de Natal

A história do maestro brasileiro mais aclamado no exterior vai virar filme em Hollywood, sob direção de Bruno Barreto. A produção só será anunciada em setembro, mas foi adiantada pelo próprio João Carlos Martins, 69 anos, em sua primeira passagem pelo Rio Grande do Norte. Em Mossoró, no último fim de semana, emocionou os cerca de 800 participantes da XIV Convenção do Comércio e Serviços, não por revelar segredos de finanças ou liderança de mercado, mas por contar sua vida de sofrimento e superação por meio do amor à música.

João Carlos Martins, que já teve sua história apresentada em final de novela e fez o apresentador Jô Soares chorar, é filho de um português que amava o piano, mas foi impedido de tocar quando teve um dedo decepado. O brasileiro acabou herdando o dom e sendo incentivado pela família. Aos oito anos, começou a estudar o instrumento; aos 13, já tinha uma carreira nacional e, aos 18, cantava fora do país. "Aos 20 anos, fui o primeiro brasileiro a se apresentar no principal teatro do mundo, o Carnegie Hall".

Aos 26, João Carlos Martins sentiu seu sonho chegar ao fim pela primeira vez. Morando em Nova Iorque, viu brasileiros jogando futebol e passou a treinar com eles. "Acabei caindo e batendo minha mão direita em uma pedra, rompendo um nervo. Aí decidi parar de tocar". O músico resolveu, então, investir em outro trabalho e empresariou o lutador Éder Jofre. "Quando o vi no final de uma partida onde havia recuperado o título para o Brasil com as mãos estendidas, pensei que eu poderia, sim, voltar a tocar", relembrou.

O músico voltou ao Carnegie Hall e, no dia seguinte, foi convidado para gravar a coletânea de Bach, o alemão que ficou conhecido como um dos maiores compositores da história da música. Sete anos depois, abandonou o piano novamente, depois de ser diagnosticado com Lesão por Esforço Repetitivo (LER). Mesmo ainda tocando, ele sentia fortes dores e precisou cortar um nervo. "Sonhei com um maestro que disse que ia me ensinar tudo e me matriculeiem uma escola".

Hoje, João Carlos contabiliza 600 concertos pelo Brasil e mais de três mil pelo mundo. Montou duas orquestras bachianas e é conhecido pelo seu trabalho de recuperação de adolescentes infratores por meio do ensino musical.

Entrevista - João Carlos Martins

O senhor sempre procurou dar o melhor de si para ser um bom intérprete. Em que a busca pela perfeição tanto o ajudou na vida?
Eu sempre digo que a vida é feita com a disciplina de um atleta e a alma de um poeta. Aos 18 anos de idade, no piano, eu conseguia fazer 21 notas por segundo, num trabalho disciplinado, mas sempre buscando a emoção. Depois, minha vida passou por mil e uma adversidades e eu acabei aos 64 anos iniciando uma nova carreira. Mas mesmo se eu só posso usar um dedo, procuro o perfeccionismo. Então, a minha frase é "com 20, eu fazia 21 notas por segundo. Agora, em cada 21 segundos, faço uma nota, mas com o mesmo amor".

Em todas as etapas de sua vida e principalmente nas dificuldades, o senhor usou a música como superação. Quando começou essa relação?
Eu comecei a conviver com a música aos oito anos de idade. E a música, sem dúvida alguma, hoje, já é o primeiro segmento em vários países asiáticos para inclusão social. Então, por exemplo, se você analisar, nós vamos entrar agora numa Copa doMundo. O Brasil e a Argentina não se dão bem no campo, mas o brasileiro gosta do tango e o argentino gosta de samba. Um torcedor do São Paulo acha bonito o hino do Corinthians. A música tem esse poder de união. Então nesses anos todos depois que eu iniciei minha vida como regente, eu já fiz cerca de 600 concertos. Só nos últimos três anos, em recintos fechados, me apresentei para 900 mil pessoas e, em locais abertos, três milhões de pessoas. Eu estou procurando democratizar a música.

Salvador Dalí disse, há alguns anos, que o senhor deveria dizer a todos que é o maior intérprete de Bach. Seguiu o conselho?
Foi em um concerto que eu fiz em Nova Iorque e aí ele falou "você pode dizer que é o maior intérprete de Bach, que um dia vão acreditar. Eu digo que sou o maior pintor do mundo e já tem gente acreditando (risos).

* Foto: Fernando Mucci/Divulgação

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