quarta-feira, 9 de junho de 2010

Carentes e angustiados


Grupo Teatro Janela inaugura experimento cênico semelhante ao revolucionário Teatro do Oprimido de Augusto Boal

A revolução deflagrada na década de 60 foi além do Cinema Novo, da Jovem Guarda, das revoltas estudantis ou paradigmas de costumes. Naquela década embalada pela beatlemania, o Teatro de Arena em São Paulo assistia o embrião de uma revolucionária ideia. O teatrólogo e dramaturgo Augusto Boal quebrou o monólogo tradicional e passou a pensar o teatro como diálogo. Surgiu assim o Teatro do Oprimido, com a finalidade da abertura democrática do debate e da reflexão com a plateia.

Natal está prestes a receber experimento semelhante, já na dita contemporaneidade. O Grupo de Teatro Janela apresenta nestas quinta e sexta-feira o espetáculo Volta, ao Ponto. Um experimento, na Casa da Ribeira. A proposta é de um espetáculo aberto e mutável. Ele inaugura, junto com o Janela, um novo processo de pesquisa cênica na vida artística dos participantes. Em sua execução, os atores do grupo propõem maior cumplicidade com a platéia, transformando-a, assim como o Teatro do Oprimido, em sujeito da obra.

Apesar das similaridades com a proposta de Boal – ainda difundida em diversos países –, o alicerce para montagem do espetáculo é o conceito de Estética Relacional, teorizado pelo crítico de arte Nicolas Bourriaud – um dos papas da arte contemporânea francesa. A prática da Estética Relacional implica em ser para além do ser, tanto na ética como nas interações humanas. Quando o sujeito está diante do outro, frente a frente, sente-se responsável. Esta necessidade de calor humano, numa sociedade carente de humanidade é um dos questionamentos abordados no experimento.

A atriz Cris Reliê explica que a proposta do espetáculo é inversa à essência do Teatro do Oprimido. “Enxergamos o público como sujeito da obra, capaz de 'se inserir' nela. O público se coloca como objeto 'transformador' da realidade em que vive. Acho que o Teatro do Oprimido é uma transformação imposta de dentro pra fora (do palco para a platéia). E na Estética Relacional isso ocorre de forma inversa: o processo de mudança é de fora pra dentro, ou seja: parte do público para o espetáculo, para então estabelecer o diálogo relacional”.

De toda forma ambas as propostas fogem da interpretação da realidade. É, antes, um convite à transformação dessa realidade. Ou vai além da representação quando convoca o espectador a participar da cena e abrindo pra ele a possibilidade de recriar essa realidade. Na ideia de Augusto Boal, o espectador assume o papel do oprimido e propõe soluções para o conflito. No espetáculo do Grupo Janela, o tema abordado no experimento é a ‘angústia’. Foi a partir dele que o grupo focou sua pesquisa para montagem do espetáculo.

A execução de Volta, ao Ponto – primeiro trabalho o grupo Janela (formado em 2009) – trata de uma contação de histórias, cujo personagem percorre um caminho de busca e encontro de si e do amor perdido, revelando suas intimidades e inquietudes. “O público será o grande cerne da questão. Ele decidirá todo o percurso do experimento. E a forma como desenvolveremos isto no palco junto com o público, só quem comparecer poderá testemunhar”, provoca a atriz e arte-educadora Cris Reliê, também um dos membros do Núcleo de Jovens Artistas.

A dramaturgia é uma livre adaptação do conto Além do ponto, de Caio Fernando Abreu. Outra forte inspiração para a montagem é a música Volta, das cantoras potiguares Simona Talma e Khrystal. A direção é coletiva, bem como sua concepção. A proposição, entretanto, é do membro José Neto Barbosa, dentro do Projeto Abrindo Janelas. Para a montagem, foi essencial a contribuição da atriz Paula Vanina, do músico Luiz Gadelha e do bailarino Rodrigo Silbat, em laboratórios de criação cênica, musicalidade e oficinas de preparação corporal. O grupo contou também com o auxílio da atriz Titina Medeiros.

O elenco é composto por José Neto Barbosa, Ana Carolina Marinho, Cris Reliê e Ranniery Sousa. A apresentação na Casa da Ribeira conta, ainda, com a participação de Natália Oliveira, que além de assinar os figurinos, executa a trilha sonora ao vivo.

Projeto Abrindo Janelas
Uma vez que o Janela trabalha com a direção coletiva, o Projeto Abrindo Janelas trata-se de uma espaço para que cada integrante do grupo possa propor uma pesquisa e uma dramaturgia, que será desenvolvida em conjunto.Além de Volta, ao ponto”, atualmente o Janela estuda a obra do dramaturgo potiguar Racine Santos A grande serpente, para uma futura montagem. A proposição é da atriz Cris Reliê, convidando os integrantes a embarcar no universo nordestino. Dentro do processo, o grupo fez viagens laboratoriais pelo interior do RN e realiza pesquisas contínuas em sala de ensaio.

Espetáculo Volta, ao Ponto. Um experimento
Quando: quinta e sexta-feira
Onde: Casa da Ribeira
Hora: 20h
Quanto: R$ 10 e R$ 5 (meia)
Contato: 9163-5300 (Ana Carolina Marinho) e 8821-4416 (Cris Reliê)

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