sábado, 19 de junho de 2010

Potiguares comentam Saramago

Opinião de Nelson Patriota

Único na forma narrativa baseada na oralidade, Saramago também usou da postura de comunista ateu para criticar a democracia ocidental e as incongruências religiosas. Para o escritor e jornalista Nelson Patriota, dessa maneira Saramago ultrapassou as fronteiras da literatura portuguesa e foi ouvido, visto e lido pelo mundo. “Ele foge do modelo clássico de romancistas como Balzac, Dostoiévsky e tantos outros ao omitir opiniões e criar personagens do povo para mostrar e denunciar problemas da sociedade, como os valores da democracia. Ele foi uma espécie de advogado do diabo da literatura ocidental”, opina Nelson – leitor e crítico da obra completa do escritor português.

Nelson Patriota classifica como “sensível” a forma como Saramago aborda o tema da religiosidade em seus livros. “Em Caim, o personagem bíblico é vingativo, pede explicações a Deus; em O Evangelho segundo Matheus, há um Jesus que foge do martírio”. A legitimidade do Estado burguês também esteve sempre à prova sob o olhar de Saramago, segundo o jornalista: “Além do modelo inovador de escrita (em um bloco só de parágrafo), Saramago foi fundamental para o Século 20 por abrir os olhos da sociedade para problemas sérios e até então camuflados pelos falsos valores da declamada democracia vigente”.

Opinião de Pedro Lucas

O contista Pedro Lucas gostou, sobretudo, de O ano da morte de Ricardo Reis, Memorial do Convento, O Evangelho Segundo Jesus Cristo e A Caverna. “Saramago tem dificuldades no que tange à forma. Ele não é chegado ao parágrafo, e essa falta cansa. Mas era a 'voz' do Saramago, que se propunha a escrever de forma que trouxesse a reflexão filosófica e explorasse um certo surrealismo (vide Ensaio sobre a Cegueira, O Homem Duplicado, o próprio Evangelho Segundo Jesus Cristo) e comprometimento com uma corrente de escritores que vem pouco antes dele: Fernando Pessoa, José Régio, Miguel Torga, Agustina Bessa-Luís, enfim”.

Para Pedro, entre o Ensaio sobre a Cegueira até Caim, Saramago esteve mais reflexivo, “por isso mais chato”. “Às vezes acontecia um ou outro respiro de diversão. O problema do Saramago nesses últimos tempos é ele não ter percebido que era mais jornalista, mais crítico, o que seja, do que romancista. Achava mais legal o blog do Saramago. No saldo final, Saramago tinha propriedade na escrita, voz própria, e sempre foi um escritor de ideias. E quando ele cruza essas idéias, o seu uso próprio da vírgula e do parágrafo, junto com uma boa trama, ele era imbatível”, opina o contista.

* Publicado no Diário de Natal

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