O Festival Gastronômico de Portalegre precisa comer muito feijão com arroz para ingressar no calendário cultural dos eventos do gênero. Ainda assim, nesta segunda edição se percebeu o esmeril na promoção ainda amadora. A cidade tem potencial. O frio serrano, as tradições culinárias baseadas no caju e no mel e a referência do Festival de Martins são bons aliados para o crescimento gradativo do Festival.
Estive por lá de sexta a domingo. Percebi um evento gastronômico ainda refém das atrações musicais. Nomes do gosto popular como Dorgival Dantas atrairam muito mais gente ao palco principal do que turistas às tendas gastronômicas que circundavam a praça central, em frente à igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição. A participação local na praça ficou restrita apenas a dois estandes. Concorreram uns dez.
O restaurante Bardoaldo venceu de novo. O pirão recebeu o incremento de castanhas e papou o prêmio, sob reclamações do segundo colocado. Mas o bar ficava a pelo menos 13 km de onde foi instalado o evento. Dos bares locais, visitei apenas o Portal da Serra, e tive a certeza que a Tilápia era peixe de mar salgadíssimo. Ainda tomei uma cachaça com excelente caldo de camarão no Ombak – restaurante de Sagi.
A programação de oficinas, musicais e dos bares e restaurantes começou com três horas de atraso em relação à divulgação, sempre a partir das 20h, com o clima noturno. O prato típico da região, vendido a R$ 3, parecia muito gostoso. A segurança foi garantida e um número razoável de banheiros químicos também se via por lá. O frio apareceu mesmo no sábado, com temperatura perto dos 15º. Na sexta, segundo o padre Dário – há 36 ano na paróquia – foi de 22º.
Conhecemos três pontos turísticos nas proximidades: O Mirante Boa Vista, a Cachoeira do Pinga e a Fonte da Bica. Esta última guarda a lenda da índia Cantofa e sua neta Jandy, dos Tapuias Paiacús. Elas e mais o negro João foram únicos sobreviventes do massacre promovido por invasores portugueses. Elas se esconderam na Bica. E Cantofa foi assassinada lá enquanto rezava. Jandy sumiu e nunca foi encontrada. Conta-se que nas madrugadas se ouve a reza e o choro das duas.
Falar em negro é perceptível a quantidade razoável de negros na cidade. Coisa pouco comum, conforme já lembrava Cascudo em 1934, no livro Viajando o Sertão. Há pelo menos três comunidades quilombolas em Portalegre – terra de mestre Cornélio Campina. A dos Pegas é a mais numerosa. Das tradições do lugar, a Dança de São Gonçalo também contraria o descaso comum e se mantém firme sob o comando da mestre Aldizes Maria da Conceição.
Lamentável é a situação da antiga Casa de Detenção, construída toda em pedra. Já foi sede do Banco do Brasil, da prefeitura e candidata à Casa de Cultura. Em decorrência do Foliaduto, o processo foi travado e hoje o ponto histórico - tombado pelo município - é um depósito de material, em visível estado de precariedade ante o descaso cultural.
Moradores comemoraram o crescimento de visitantes no evento. Escutei um afirmando que alugou a casa. É um bom sinal. E pudera. Portalegre tem apenas dois hoteis e duas pousadas. E relacione no bojo as dezenas de participantes do festival. A equipe de imprensa, alunos da UnP e alguns participantes ficaram alojados na Casa Paroquial, situada ao lado da igreja matriz. E aí vale o relato de algumas situações cômico-trágicas.
Na Paróquia
Cinco horas de viagem no microônibus e os natalenses desembarcam na praça de Portalegre às 11h30 sem saber para onde. Pousada? Casa alugada? O que a prefeitura reservou para nós? 20 minutos de retirantes nordestinos na cidade grande, cheio de malas, e a organização nos leva à “casa rosada” em nossa frente. Após confusão para divisão do pessoal nos poucos quartos, a Casa Paroquial acomodava alguns pagãos.
Eu e minha digníssima ficamos em um quarto distante uns 30 metros do banheiro comunitário. No primeiro banho, a constatação: luz, só a divina. Ou das velas emprestadas pela freira junto à água geladíssima da serra. À noite, o banho era o sacrifício dedicado a Deus. E as madrugadas eram reservatórios do mijo inibido. Acordar no frio semi-bêbado, vestir bermuda e camisa para ir ao banheiro era tarefa hercúlea.
Mas ressalto: a vontade das freiras em acomodar da melhor maneira os visitantes pagava qualquer conta de luz ou suíte. Mesmo quando este blogueiro relaxado foi ao banheiro sem camisa durante a noite e ouviu de uma delas: “Vige, uma coisa branca passou agora”. Respondi a ironia no dia seguinte com uma “obra” matinal digna de interromper instantes da missa dominical, realizada em uma sala ao lado do banheiro.
A obra matinal era produto remanejado do Pão Nosso de Cada Dia – único restaurante das redondezas, situado a boas quadras da Paróquia e local intermitente de alimentação da imprensa. Refeições boas, demoradíssimas e mais uma vez a boa vontade dos proprietários em dar o melhor atendimento sem condições de receber a demanda de pedidos. Como disse o amigo-jornalista Beto, da Revista Catorze, “nunca mais vou rezar o Pai Nosso do mesmo jeito”.
A Volta
A surpresa maior estaria reservada à volta dos jornalistas. Previamente agendada às 6h do domingo, fomos informados já no fim da noite de sábado que haveria um transporte às 7h30 com uma vaga e outro às 10h30 para o restante. Acordamos todos – eu e minha namorada, Beto, Guerra (quadrinista da Catorze) e Verônica Garrido, jornalista da revista Fácil RN, depois das 8h para voltarmos juntos a Natal, até que passou-se as 10h, 11h, 12h, até a partilha dos pães.
Por volta das 12h30 passa um microônibus com uma vaga. Guerra foi o contemplado com a graça. Pouco depois recebemos uma notícia. Um microônibus sairia às 14h com duas vagas e outro às 15h com quatro vagas. Decidimos pelo Pão Nosso. Não a reza, mas a comida. Fomos eu, minha patroa e Beto. Chegamos às 13h. Verônica apareceu depois chamando mais um para uma carona num carro. Beto foi e ficamos o casal feliz.
O almoço chegou às 14h. Saímos por volta das 14h30 para esperar o transporte das 15h. A moça do microônibus chega no horário combinado, mas a procura de mais dois passageiros ou teria prejuízo. Foi à casa do secretário de cultura tomar satisfação. Voltou meia hora depois. Nos levou até Umarizal onde pegaríamos uma Besta. E aí começa o segundo capítulo de A Volta. A Besta chegou às 17h, após colher uns dez passageiros.
Esta Besta (o automóvel, não eu), ainda parou para abrigar mais umas duas pessoas escondidas em matagais (não era moradia, não é possível). Esta Besta (não eu!) parou para o motorista conversar com um amigo na estrada, para o motorista jantar na churrascaria, para abastecer, para consertar o ar-condicionado e, após 5 horas de viagem, para deixar os 12 passageiros daquele famigerado veículo.
Macaíba parecia miragem encantadora quando o primeiro passageiro levantou voz: “Fico no conjunto (num sei de que) em Parnamirim”. Depois: “Eu vou pra Passagem de Areia”. “Eu fico no Planalto”. E outro: “O meu, entra na Maria Lacerda é lá pra dentro”. “Eu vou pra Ponta Negra”. Nesse instante, eu, que lia o livro de Tarcísio Gurgel e já tinha mando se fuder Pedro Velho, Alberto Maranhão, Cascudo e outros mais, disse: “Eu vou pra p... pariu!”.
Desisti do meu itinerário a tempo. Raciocinei e vi que a Puta que Pariu era mais longe. Preferi o posto Planalto, onde havia deixado o carro, agora todo melado de bosta de pombo. Eu, que pensei chegar em casa para ver o fim do Esporte Espetacular, desisti da Dança dos Famosos, depois dos gols da rodada, e finalmente, chegava em casa às 0h, morto de cansado e de fome do Festival Gastronômico de Portalegre.
[image: Quais países usam o cedilha?]
O cedilha é um característico símbolo da língua portuguesa, mas poucos
sabem que ele também é utilizado em outras l...
Há 20 horas
"... chegava em casa às 0h, morto de cansado e de fome do Festival Gastronômico de Portalegre".
ResponderExcluirEita que cobrir esse festival deu foi trabalho, hein.
Hehehehe.
Bobeira monstra da organização/produção. Depois, quando o jornalista participante do fam-tour detona o evento, o pessoal fica todo magoadinho.
ResponderExcluirAh, e Sagi é no RN.
Aff, e eu achando ruim pq não tinha transporte praquelas bandas e não dava nem pra dar uma passada por lá... Assim eu quero distância!
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