terça-feira, 20 de julho de 2010

Uma vida em partituras


Maior concertista da história do RN é homenageado em livro lançado hoje no Palácio da Cultura

Antes de Cidade do Sol, Natal foi reconhecida como Cidade dos Pianos. Tempos áureos da Belle Époque. Talvez tenha sido o poeta seresteiro Lourival Açucena quem abriu os ouvidos da cidade ao lirismo musical daquele início de século 20. A orquestra comandada pelo músico seridoense Tonheca Dantas, no recém-inaugurado Royal Cinema, ensinou ao natalense a boa música dos concertos populares. Versos da Praieira de Othoniel Menezes eram entoados em cada esquina da cidade de muros baixos. Mas foi um jovem pianista quem revolucionou o estudo da música em Natal e se tornou o maior concertista do Brasil de sua época: Oriano de Almeida (1921-2004).

O título do livro escrito pelo pesquisador Cláudio Galvão – O Céu era o Limite – disseca a vida profissional de Oriano de Almeida até seu fim melancólico. O pianista recrutado por Villa Lobos para execução de suas composições mais complexas e classificado pela crítica carioca como o único concertista a cobrar ingressos e lotar o Teatro Municipal do Rio de Janeiro, morreu solitário aos 83 anos, vítima de câncer. Para Cláudio Galvão, Oriano foi único em sua época. Pianistas com seu nível técnico, apenas Magdalena Tagliaferro, sua professora, e Guiomar Novaes. Ainda assim, a primeira viveu mais em Paris e nenhuma se dedicou ao oficio e ao ritmo de excursões e concertos como Oriano.

A biografia de Oriano de Almeida será lançada às 19h de hoje no Palácio da Cultura (Praça Sete de Setembro, Centro), acompanhado de um CD composto por músicas autorais e de compositores clássicos como Chopin, Villa-Lobos e do primo e tutor Waldermar de Almeida. São canções representativas da trajetória deste músico desconhecido pela maioria dos potiguares, responsável pela formação dos melhores pianistas de Natal. Durante 21 anos, o curso de piano Oriano de Almeida fez história e entregou de presente à cidade pianistas como Marluze Romano, Luiza Maria Dantas, Nilda Cunha Linha, Magnólia Monteiro Pereira, Leonor Gonçalves Dias e muitos outros.

Segundo Cláudio, a vinda de Oriano a Natal, um mês por ano para ministrar o curso, era um verdadeiro acontecimento na cidade. Oriano, o grande pianista destacado nos palcos cariocas e enaltecido pela mídia sulista chegava à província sob homenagens e badalações. Foi assim durante mais de 20 anos. Em 1950, o menino prodígio iniciado em um recital aos 14 anos nos palcos de Recife, alcançava o auge da carreira. Somente em 1958 gravaria seu primeiro LP, pela RGE, interpretando Valsa de Paris e Canção de Lílian, ambas de sua autoria. Tornou-se um dos maiores intérpretes da obra de Chopin e convidado para sucessivas temporadas no exterior.

O maestro Villa-Lobos chegou a convocar Oriano para interpretar uma composição inédita. “Ele pegou um calhamaço de páginas da composição e pediu para Oriano estudar e tocar depois. Villa-Lobos morreu e Oriano não tocou. Foi cobrado depois pela viúva. Um dia resolveu tocar, em data festiva, acho que do centenário de Villa-Lobos. Foi muito prestigiada e admirada a execução”. Cláudio Galvão complementa ainda. A composição era uma “suíte” – um conjunto de peças tocadas em seqüência. “Foi a primeira vez que ele tocava uma composição em que alguém precisava passar as folhas. Era muito longa, complicada e desconhecida do público”.

Oriano também gravaria, a pedido de Villa Lobos, a composição Polichinelo, também complexa, baseada nas cirandas infantis, executada em ritmo frenético. Foi uma composição incorporada ao repertório de Oriano em suas apresentações. O compositor – que ainda recém-nascido se muda de Belém (PA) para Natal, vive sua infância no Plano Palumbo ou no chamado Principado do Tirol e constroi carreira no Rio de Janeiro – voltaria aos chãos natalenses nos últimos 23 anos de sua vida, em 1981, contratado pela UFRN. “Ele ainda chegou com a técnica apurada, ministrou cursos e oficinas, apresentou recitais, mas era visível a vontade de parar a rotina de artista”.

Cláudio passou a conviver com Cláudio na década de 80 e descreve o músico como “introspecto” em razão da cirurgia cardíaca a que foi submetido e o atropelamento sofrido no Grande Ponto, quando atravessou o sinal e foi atingido brutalmente por uma Brasília. “Oriano ficou no capô do carro. O motorista desceu, o arrastou para o chão e saiu”. Oriano perdeu parte do movimento do braço direito. Parou de tocar. Deixara de ser o “grande” Oriano, sempre homenageado. E as amizades parecem ter fugido naquela Brasília. Poucos eram as visitas ao seu apartamento no Hotel Sol, com vista para o Rio Potengi.

Cláudio prometera o livro para 2001, quando Oriano de Almeida completaria 80 anos. A introspecção e a depressão impediram a continuidade. A biografia do maior concertista potiguar foi retomada em 2004, após a morte de Oriano, vítima de câncer. O livro foi revisado, ampliado e será lançado hoje pela editora da UFRN, com mais de 300 páginas e exibição de vídeo do programa Memória Viva com Oriano de Almeida ao piano.

CURIOSIDADE
Mesmo com o renome conquistado no Brasil, Cláudio Galvão aponta a figura de Aldo Parisot como o maior instrumentista nascido em chãos potiguares (Oriano nascera em Belém e se mudou recém-nascido para Natal). Parisot praticamente viveu sua vida nos Estados Unidos, onde reside ainda hoje, com mais de 91 anos. É violoncelista homenageado em diversos países, professor de música da Universidade de Yale e detentor de um dos instrumentos musicais mais valorizados do mundo – um dos violoncelos Stradivarius originais, avaliado hoje em milhões de dólares.

Lançamento literário
Livro: O Céu era o Limite – uma biografia de Oriano de Almeida
Autor: Cláudio Galvão
Data e hora: hoje, às 19h
Onde: Palácio da Cultura (por trás do Instituto Histórico e Geográfico do RN, no Centro)
Valor ainda indefinido

* Matéria publicada hoje no Diário de Natal

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