quarta-feira, 21 de julho de 2010

Entrevista - Moacy Cirne


Merece um “Cascudo”
Moacy Cirne lança livro hoje já com projetos futuros em mente, como a volta do Balaio Porreta

O bom humor do professor Cascudo estaria em crise e o charuto – “quase uma extensão de seu corpo” – seria razão de nervosas baforadas ao ler a mutilação de sua obra mais emblemática por uma editora paulista. O original do Dicionário do Folclore Brasileiro foi publicado em 1954. No lançamento literário de hoje, Moacy Cirne repete o título com um adendo: “Uma edição desfigurada”. Plágio, desfiguração e mutilação foram algumas das palavras usadas por Moacy para classificar o “escândalo editorial” da reedição desta obra de Cascudo. “O relato de uma indignação”, diz Nei Leandro de Castro na apresentação. Ou “desmandos editoriais”, complementa Marcos Silva. O livro, editado pela Sebo Vermelho, será lançado na Siciliano do Midway a partir das 19h e comprova por meio de comparações mais de 70% do texto original modificado. Na entrevista a seguir, feita durante a manhã de ontem no Sebo Vermelho, Moacy comenta como descobriu a reedição da Editora Global, a inércia dos agentes culturais potiguares sobre o assunto, o estigma atribuído a ele de anti-Cascudo e projetos futuros como a volta do blog cultural Balaio Porreta:

Você já conhecia os originais e de cara verificou os absurdos cometidos pela revisão?
Como não sou folclorista nem estudioso da obra cascudiana vi esta reedição na livraria e desdenhei. Em 2005 resolvi folhear por curiosidade. Ainda assim não tive a dimensão do absurdo. Notei apenas uma edição bastante ilustrada e reduzida. Depois ouvi comentários de (Vicente) Serejo em Natal (Moacy mora no Rio de Janeiro) sobre o assunto. E ele já fora alertado por Celso da Silveira. Eu disse que o assunto merecia um livro. Somente em 2009 li com mais atenção a edição e verifiquei a gravidade do tema. Me recorri à Biblioteca Zila Mamede (na UFRN) para comparar as edições originais e descobri horrores; me assombrava a cada página.

Essa edição da Editora Global é de 2001. Como você explica nenhum estudioso da obra de Cascudo ter se manifestado nestes quase 10 anos?
Há um jornalista carioca, João Miguel, que escreveu artigo a respeito, publicado no Observatório da Imprensa, sob o título O Dicionário Mutilado. Mas em Natal me espantou o silêncio. Só se ouviram vozes isoladas. Nem mesmo a Academia Norte-Riograndense de Letras – que em tese defende o patrimônio cultural potiguar – se manifestou. E seu presidente Diógenes da Cunha Lima, com quem mantenho boa relação, é conhecedor da obra e amigo da família de Cascudo. A família parece que se indignou agora. Por que só agora? Soube que o livro da Global, inclusive, esteve à venda na Casa de Cascudo (Ludovicus) durante esse tempo. A Universidade também poderia se manifestar formalmente. E já há quatro reedições e uma reimpressão do livro pela Global.

Ironia você sair em defesa de Cascudo quando em outros tempos foi taxado do contrário...
Pois é. Mas aquela época era de polêmica. Imagine, o início de 1968... Pra quem lutava contra a ditadura ele era a figura de um conservador; foi integralista. Então queimaram uma porção de livros e o de Cascudo estava lá. Mas, claro, ninguém queima a obra intelectual de Cascudo. Queimou-se o símbolo do conservadorismo. Mas isso você tem que perguntar ao pessoal que fez isso aqui em Natal. Eu estava no Rio de Janeiro e de mim só falam isso: uma coisa que nem participei. E agora eu é que defendo Cascudo...

A obra de Cascudo é prestigiada, lida no Rio de Janeiro?
Não vivo no meio sociológico carioca. Sei que Gilberto Freire sofreu grandes barreiras para superar o estigma do conservadorismo em um ambiente notoriamente de esquerda. Talvez Cascudo tenha sofrido o mesmo e superado esse problema, mas não por essa edição da Global.

E projetos futuros?
Tenho dois. Um é o livro Penúltimas Leituras Potiguares (título em homenagem à obra Leituras Potiguares, de Antônio Fagundes e Penúltima Versão do Seridó, de Muirakitan Macêdo), onde pretendo reunir textos publicados em revistas culturais como a Preá e Brouhaha, além de outros no “Balaio”. Também penso reeditar o Poesia e Poema do RN – uma antologia poética publicada em 1979 – como uma autocrítica, dividida em duas partes. A primeira com os poemas e a segunda com ensaios e anotações críticas sobre o que reuni primeiramente.

E a volta do blog Balaio Porreta?
Está marcada para 8 de setembro, quando o Balaio completa 24 anos (o Balaio começou como boletim administrativo da USP em 1986, até Moacy inserir poesias e perder o “ranço administrativo aos poucos e se tornar quase um panfleto do Poema Processo). Até lá penso no novo formato. O endereço permanecerá o mesmo e terá periodicidade semanal com edições extras durante a semana. Não tenho mais o pique para atualizações diárias.

Lançamento literário
Livro: Dicionário do Folclore Brasileiro: uma edição desfigurada
Autor: Moacy Cirne
Onde: Livraria Siciliano do Midway (3° piso)
Data e hora: hoje, às 19h
Valor: R$ 30
* O Grupo de Pesquisa de Estórias em Quadrinho (Grupec), formado em 1971, retoma as atividades e também lança novo exemplar da revista Maturi no mesmo horário e local.

* Matéria publicada no Diário de Natal (aqui, na íntegra)
- Foto Abimael Silva

Do blogueiro: Moacy detalhou mais a fabulosa história do Balaio Porreta, iniciado como boletim administrativo da USP até a modernidade dos blogs. Contarei nos próximos dias!

5 comentários:

  1. A propósito do silêncio de Natal, a que Moacy se refere na entrevista, eu tenho uma frase engatilhada : O RIO GRANDE DO NORTE É O ESTADO MAIS SILENCIOSO DO BRASIL.
    Valeu, Sérgio.

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  2. Mas Moacy, caro Sérgio, tem uma frase mais terrível que a minha: PREFIRO A VIOLÊNCIA CARIOCA À PAZ NATALENSE.

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  3. Outra coisa, Sérgio, informações corretíssimas: local, data, hora,títulos dos livros a serem lançados e nomes dos autores.Mas os preços das obras ?Valeu, amigão.

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  4. Jarbas, rapaz, lembrei da falta dessa informação quando comecei a escrever. Ainda liguei pra Abimael perguntando e o cel deu desligado. Ficou sem. Mas liguei agorinha de novo e o preço é R$ 30. Erro corrigido. Valeu a observação e os comentários. Estou sempre lendo seus textos no SP!

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  5. Obrigado, amigo Sérgio.Não sabia que tinha um leitor de nível como você.Sou seu leitor também.Gostei do que você falou sobre a última "Palumbo", apontando os acertos e os desacertos dessa última edição.Como você disse, no artigo sobre a revista, que o espaço aqui era aberto à opinião dos leitores, lá vai a minha.Apesar da revista ter um corpo editorial qualificado, e de tendências estéticas diversificadas, o que prova o nível do seu conteúdo,e sua visão despida de preconceitos, estranhei algo nesse último número da "Palumbo".È que, há alguns meses, a pedido do meu amigo e colega do Departamento de Comunicação Social da UFRN, Albimar Furtado, passei para ele uma lista de obras literárias importantes do Rio Grande do Norte.Seria publicada, segundo Albimar, nessa edição.Não o foi.
    Quero isentar Albimar de qualquer responsabilidade no caso, e devo admitir que entreguei a lista com certo atraso.Tudo bem, mas havia tempo suficiente, creio, para que ela fosse incluída nesse número. Como a lista (a quem chamei de Breve Pós-cânone da Literatura Norte-rio-grandense) tinha um caráter provocativo, e uma visão bastante pessoal e heterodoxa da literatura,chegueiaté a pensar que tinha sido censurada.Não perguntei nada a Albimar, para quem mando um abraço.Pra você outro abraço e o pedido de desculpas por esse desabafo.Fique à vontade. Se for do seu interesse, e esteja de acordo com a linha adotada por seu ótimo "Diário do Tempo", aqui vai minha lista (supostamente) proscrita, com alterações.

    BREVE PÓS-CÂNONE DA LITERATURA NORTE-RIO GRANDENSE

    l.Obra incompleta (prosa) de Bartolomeu Correia de Melo;
    2.Obra incompleta do poeta multimidiático Carito;
    3.Obra incompleta (prosa e poesia) de Carmen Vasconcelos;
    4.Obra completa (poesia) de Ferreira Itajubá;


    5.Obra incompleta do escritor e poeta (autor de "Poemas Apócrifos") Franklin Jorge;
    6.Obra completa (poesia e prosa) de Henrique Castriciano;
    7.Obra completa (poesia e prosa) de Homero Homem;
    8.Obra completa (poesia) de Jorge Fernandes;


    9.Obra completa do escritor, jornalista e etnógrafo Luís da Câmara Cascudo;
    10.Obra incompleta do ensaísta Moacy Cirne;
    11.Obra incompleta (poesia e prosa)de Nei Leandro de Castro;


    12.Obra incompleta (dramaturgia e poesia) de Racine Santos;
    13.Obra incompleta do jornalista e poeta Sanderson Negreiros;
    14. Obra completa da poeta e bibliotecária Zila Mamede.

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