quinta-feira, 1 de julho de 2010

Triste fim de Policarpo e da língua tupi


Historiador quer incorporar o tupi-guarani à oficialidade lingüística de Natal e resgatar cultura indígena

Quando o escritor Lima Barreto escreveu o clássico O triste fim de Policarpo Quaresma queria se livrar do engodo de uma identidade nacional forjada pelos escritores do Romantismo. Policarpo era um nacionalista inveterado. Estudou a história do país e construiu projetos de brasilidade para criar a verdadeira identidade nacional. Entre eles estava o resgate da língua tupi-guarani. É esta também a meta – em âmbito local – buscada pelo historiador potiguar Aucides Sales. O professor já conseguiu oficializar o tupi-guarani em Canguaretama e agora busca incorporar a língua originária dos índios em Natal.

O tupi-guarani integra a língua indígena tupi, estudada pelos jesuítas na época do Brasil-Colônia e já extinta. Nos últimos anos tupinólogos têm conseguido o resgate pelo interesse do estudo dessa língua no Brasil. Muito mais que o interesse pelo sentimento de brasilidade e identificação de nossa cultura primária, o ensino ainda incipiente do tupi-guarani, sobretudo em comunidades indígenas, tem colaborado para um reencontro das tribos com suas origens, elevado a auto-estima e despertado nos índios o interesse pela sua história e seus direitos. O movimento tem crescido em cadeia e o propósito é chegar às câmaras legislativas.

Se o guarani foi oficializado como língua oficial do Mercosul em 2009; se mais de 95%dos paraguaios falam fluentemente a língua; e se a Argentina oficializou o guarani em duas províncias (equivalente aos estados federativos brasileiros) do país, no Brasil praticamente apenas a Marinha brasileira adota a língua para comunicação secreta via rádio. Afora a isso, parcos 30 mil brasileiros, aproximadamente (o número é uma estimativa imprecisa, sem bases científicas fundamentadas), falam guarani, em maioria índios. Mesmo havendo decreto datado da época do presidente Juscelino Kubitschek decretando o ensino da língua nas universidades.

Recentemente, em 21 de maio, a cidade sul matogrossense de Tucuru, oficializou o guarani como sua segunda língua, provocada por uma das testemunhas de um processo judicial tramitado na cidade só falar essa língua. Em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, foi oficializada a língua nheengatu, do tronco do tupi-guarani, que engloba ainda o tupi da costa, o inhandeva, o kaiowá, cocama, imbiá, guarani paraguaio, guarani boliviano e guarani peruano, pelo menos. Levantar informações confiáveis sobre a fonologia da língua tupi para uma possível reconstrução fonológica seria tarefa impraticável não tivesse esse tronco, mais especificamente a família tupi-guarani.

Guarani potiguar
O caso do ensino do guarani no Rio Grande do Norte tem início no município paraibano da Baía da Traição – território tradicional dos índios Potiguara, pertencentes à grande família tupi-guarani, das mais poderosas tribos nordestinas. Um grupo de tupinólogos foi convidado a ensinar o guarani na aldeia Acajutibiró. Lá, os mais índios mais antigos misturavam o tupi com o português. Partiu deles o pedido para recuperar a herança linguística de seus antepassados. “Eu pedi que fossem à Funai (Fundação Nacional do Índio) porque há um movimento nacional de resgate da língua guarani a partir da formação de professores para ensinarem nas universidades”, sugeriu Aucides Sales.

O líder do movimento é o professor da USP, Eduardo Navarro. Ele morou seis meses na aldeia Acajutibiró e formou 18 professores indígenas, hoje atuantes em 30 aldeias da reserva, já com ramificações estendidas a aldeias do Ceará e Espírito Santo. Aucides explica que a partir do ensino da língua na aldeia, os índios também resgataram antigas práticas culturais como o artesanato típico, construção dos antigos modelos de morada, formação de grupos de Toré e, sobretudo, maior mobilização e participação em assembleias, etc. “A língua é o espírito da cultura. Tudo nasce em torno dela”, ressalta Aucides.

Aucides iniciou, em 2002, o intercâmbio cultural entre os índios da Baía da Traição e a comunidade do Catu, em Canguaretama – também tradicional município indígena, hoje com cerca de 7 mil índios. Hoje, a cidade potiguar tem a língua tupi-guarani como língua oficial. Após essa iniciativa, no ano passado mais três grupos indígenas potiguares pediram reconhecimento de suas identidades à Funai: a comunidade do Amarelão (João Câmara), Janduís (Assu) e Sagi, hoje cidade emancipada. Segundo Aucides, apenas no Rio Grande do Norte há 18 grupos indígenas. O de Caraúbas é dos maiores, com 6 mil índios. O município de Vila Flor, a 4 quilômetros de Canguarema tem maioria indígena.

Em Natal, Aucides coordena o Centro de Estudos Indígenas de Igapó. A entidade tenta implantar o ensino do tupi-guarani nas escolas e é responsável pela formação de novos professores de ensino da língua guarani, promoção de eventos relacionados à cultura indígena, com projetos sociais como o Clara Camarão e Potiguaçu, apresentações de dança e folclore em escolas e parcerias com instituições como o Seturn, a Fundação José Augusto e a Secretaria Estadual de Educação na divulgação da cultura indígena no Estado.

História do tupi
Grande parte das tribos indígenas que habitavam o litoral brasileiro, quando da chegada dos portugueses ao Brasil em 1500 falava línguas pertencentes à dita família tupi-guarani. Segundo explicação de Aucides Sales, a língua tupi – da catequese, escrita pelo padre Anchieta – foi proibida no Brasil em 1755 pelo Marquês de Pombal. O motivo foi um atentado contra o rei de Portugal, Dom José I. Jesuítas foram acusados e expulsos do reino. Ainda decorrente do fato, o Marquês de Pombal proibiu a escravidão indígena; liberou o casamento entre índios e portugueses; e a posse de terras dos jesuítas pelos índios.

* Matéria publicada hoje no Diário de Natal

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