quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Nulo nulo

Por Marcos Silva
no Substantivo Plural

Amigos e amigas:

Respeito o direito de quem anula voto e considero seu gesto uma forma de rebeldia diante do que se oferece, um inconformismo crítico e importante. Receio apenas que seja um tiro no pé.

Por enquanto, anula-se o voto mas alguém é eleito. Digamos, todavia, que se conseguisse alguma lei (fruto de gente eleita por quem não anulou o voto, claro; ato de poder) assumindo o poder do voto nulo: maioria de votos nulos, ausência de eleitos. O que aconteceria?

1) Quem está no governo continuaria até à próxima eleição.

2) Outras estruturas de poder – patrão/empregado, pai/filho, amante/amante etc – além dos aparelhos de estado nada sofreriam porque não dependem de voto.

Nesse aspecto, o voto nulo me parece bem intencionado mas excessivamente idealista, como se seus praticantes colocassem os poderes num só lugar e supusessem que ele se desmontaria pelo simples gesto de anular o voto, pelo simples gesto de ser negado.

É uma ingenuidade paralela ao raciocínio anarquista: o poder ruir como ato da vontade de quem o nega.
Aprendemos, ao menos desde Foucault, que os poderes são infinitos. O fim da ilusão revolucionária (suposição de que o mundo viraria de cabeça para baixo, perspectiva de final feliz para a humanidade) não torna os poderes iguais uns aos outros. O governo Roosevelt exercia opressões e convivia pacificamente com o apartheid no sul dos EEUU mas o Nazismo, seu contemporânea, era ainda pior, traduzia seu apartheid em extermínio planejado. Se eu fosse vivo na época, preferiria viver sob o poder de Roosevelt que sob Hitler.
Mas voltando à fantasia anterior: digamos que houvesse uma lei (ato de poder!) que admitisse a dissolução do aparelho de estado caso ocorresse maioria de votos nulos. Isso significaria fim de poder?
Claro que não!

1) Nem só de estado vivem os poderes mas sim de qualquer relação humana onde são definidos procedimentos decisórios.

2) O estado, supostamente diluído, abriga tantos poderes (de armas letais a dinheiro em grande quantidade) que certamente haveria inúmeros grupos muito interessados em controlar tudo isso pra se fortalecerem ainda mais – vide o fim da ex-URSS e o florescer de máfias e mais máfias (e nem foi fim de estado, foi apenas fim de uma forma de estado).

Voto nulo e anarquia (no sentido clássico: anarkhos, sem governantes) são importantes referências para o pensamento, não pontos de chegada. Podem ser instrumentos críticos fundamentais desde que se desembaracem das ilusões de final feliz.

Prefiro ainda batalhar por poderes menos destrutivos, decisões pela maioria. Auto-gestão não é ausência de poder, é um estilo de poder – auto-governo. E não vejo como as pessoas sobreviveriam isoladamente, elas precisam cooperar umas com as outras e as formas de decisão retornam como problema a ser resolvido sempre.

No segundo turno das eleições presidenciais brasileiras em andamento, votarei em quem me parece capaz de produzir menor dano. Não deposito em presidentes (nem governadores, prefeitos, deputados, senadores, vereadores) a vara de condão inaugural para o reino dos céus. Quando acaba uma eleição, a sociedade civil continua – se transferir toda decisão para o estado, nem valerá a pena reclamar dele depois.

Abraços:

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