domingo, 24 de outubro de 2010

Carnaval do ABC


Minha homenagem ao ABC vai na reprodução do texto que escrevi na última subida do clube à Série B, em 2007. O texto foi publicado na editoria de Esportes do Diário de Natal. Vale relembrar:

Carnaval do ABC
por Sérgio Vilar

O carnaval chegou mais cedo para o Mais Querido. E nada de uma quarta-feira de cinzas e amarguras. O alvinegro ensinou o ABC do futebol ao Bragantino na noite desta quarta-feira (28) e assegurou uma vaga na segunda divisão do Brasileirão 2008 com um gol de falta do zagueiro Alan e outro do craque Wallyson. Os torcedores acreditaram no time, creditaram confiança e ditaram o ritmo do jogo nos dois tempos de uma partida movimentada no Frasqueirão.

As batidas do coração do torcedor que ficou de fora eram ritmadas pelo barulho da torcida. Lampejos menos estridentes significavam a combinação de resultados desejada para a ascensão do ABC. Mas eis que uma multidão solta o grito preso e o torcedor fanático e liso do lado de fora vibra como uma criança. Liso porque os ingressos estavam sendo vendidos a R$ 2. O cambista “Ventola” pediu pra escrever: “Bote aí: cambista tão tudo com cara de choro por causa do prejuízo". “Japonês”, cambista experiente, disse ter perdido R$ 2 mil.

Aos 45 minutos do segundo tempo ninguém arredou pé do Estádio. Um único torcedor apressado e com rádio no ouvido, disse que o juiz daria pelo menos mais cinco minutos de acréscimo. É o sofrimento dos cambistas espalhado em milhares. Mais um grito em uníssono e os fogos de artifício anunciavam o ABC na Segundona do Brasileirão. Ainda demorou para a torcida largar o Estádio e ganhar as ruas. Pelo menos uns dez minutos. Pareciam esperar a bandinha de frevo, do carnaval e a marchinha: “ABC clube do povo, campeão das multidões..."

E se atrás da bandinha só não vem quem já morreu, lá estava Marinho Chagas e seu copo de uísque. “Tudo que vem com sacrifício é mais gostoso. O juiz prejudicou o ABC. Se houvesse honestidade o número cinco do Bragantino seria expulso no primeiro tempo. Quando o juiz soube dos outros resultados da rodada, começou a dar cartão amarelo com muito atraso. Ele segurou o jogo. Mas está de parabéns Ferdinando, os jogadores e a torcida que é uma religião e merece, após seis anos, estar na segunda divisão", disse Marinho. Se tinha recado para o americano e companheiro de Redinha Velha, Véscio, Marinho disse: “Véscio é meu cumpade, mas diga que o meu subiu e o dele desceu”.

E se os torcedores estavam estéricos, os ambulantes com sorriso escancarado e a lojinha do ABC lotada, alguém estava contrariado. Preso no trânsito que tomou a Rota do Sol, o engenheiro Marcos Silvino foi pego de surpresa: “Nem gosto muito de futebol e se tenho mais simpatia por um time é pelo América. Devia ter imaginado a confusão". Muitos motoristas, quando viam o ciclone preto e branco e o trio elétrico em sua direção, aderiam ao retorno. E se mais adianta o trânsito acalmava, um automóvel com portas abertas, com chassi arrastando no asfalto e lotado de torcedores e bandeiras passava: “Becê, becê”.

O ABC espalhou-se em bandeiras e buzinas pelas ruas, paradas de ônibus, janelas de casas e apartamentos e nos ouvidos de muita gente. Quando a festa terminar, ainda se ouvirá o eco: “Becê. Becê”. Lá do alto, a lua, imponente, assistia a tudo e refletia múltiplas luzes brancas na noite da cidade. E qualquer coincidência com as cores que pintaram a paisagem de Natal nesta quarta à noite não é mera coincidência.

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