segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Entrevista - Bartô Galeno


O que é ser brega? O preconceito começa no dicionário: cafona, deselegante, gosto duvidoso. Opa, mas peraí: "Gosto duvidoso?". Se há dúvida, há esperança. E após décadas soterrado por clichês, o brega virou cult. Bartô Galeno é prova disso. O paraibano que adotou Mossoró como terra natal tem seu trabalho reconhecido após 40 anos de estrada. Na noite de sábado, apresentou repertório de trabalho recente: Paixão Errante (2009) e Bartô Canta o Rei (2010), além dos velhos sucessos Só lembranças, No toca-fita do meu carro e outras canções que lhe renderam o status de artista preferido do "povão" paulistano em 2009, quando participou da Virada Cultural em Sampa. O show ocorreu no agradável espaço Gruta D'Água (estrada de Pium). Fãs ensandecidos correram à frente do palco para ver Mr. Bartolmeu Silva, o Bartô Galeno, de perto. Os duetos com o natalense Fernando Luiz foram memoráveis. No palco no show Um Banho de Brega, também subiu a compositora caicoense Anna Fernandez, vencedora do Prêmio Sharp de melhor cantora em 1993. As fotos traduzem alguma coisa. Peço perdão pela má qualidade. Mas fica o registro. A entrevista a seguir foi feita na redação do Diário de Natal.

Como Bartô Galeno veio parar em Mossoró?
Nasci num lugarejo chamado Benção de Deus, distrito do município de Souza, na Paraíba. Meus pais, João Luís da Silva e Carlota Ana da Silva, eram agricultores. Em 1960, quando eu passava dos 10 anos eles acompanharam meu tio, muito conhecido em Souza como Lucas Bananeira, na montagem de um comércio de frutas em Mossoró, no Buraco Tatu. Ainda hoje existe. E minha mãe montou um restaurantezinho na Estação das Artes.

Veio a família toda? Você tem quantos irmãos?
Não parei pra contar. Vamos botar 10 aí. São muitos. Deixa eu ver (conta nos dedos). Somos em oito: seis mulheres e dois homens. Mas artista, só eu. Meu irmão toca violão, mas não quis seguir carreira.

O início da carreira se deu em Mossoró, então?
Em 1963 participei do programa na Rádio Rural, Show das Dez, comandado por Mané Alves, o Mané da Coalhada. Ainda hoje ele apresenta. A Jovem Guarda chegou em Mossoró em 1962. Eu já cantava músicas de Waldick Soriano e comecei a cantar também Jerry Adriani, Paulo Sérgio, Roberto. E nesse programa eu venci o concurso A Mais Bela Voz do RN, em 1967. Até hoje tem esse prêmio, sempre em dezembro. Carlos André já tinha ganho. Outro artista destacado após o prêmio foi Amanda Costa, de Areia Branca. E em 69 eu venci de novo. Aí me deram passagem pra Recife. Vim primeiro pra Natal, trabalhei em um Café no Grande Ponto. Não lembro o nome. Sei que tinha uma sinuca ao lado e também servia sucos. Era uma época boa, movimentada. E daqui de Natal peguei o trem pra Recife.

E o Rio de Janeiro?
Trabalhei três meses em um restaurante no centro de Recife e fui pra SP, com passagem dada pelo pároco Américo Simonetti, de Mossoró. Passei uns dois meses lá, mas não deu muito certo. Fui lá pras brenhas de Osasco e logo peguei o ônibus pro Rio de Janeiro. Cheguei em 2 de julho de 1969. Lembro a data porque foi quando a Apolo 11 pisou na lua. Foi um grande passo pra humanidade e pra mim também (risos). No Rio deu tudo certo: trabalhei em obra e na confeitaria de um português, que Deus o tenha. Quando acabava o expediente, íamos pra um bar. Foi quando conheci Antônio Pires, irmão do compositor de Roberto Muller (famoso cantor de brega), Sebastião. Antônio foi meu primeiro parceiro musical. Gravamos, no início dos anos 70, O grande amor da minha vida, sucesso até hoje no Brasil, regravada recentemente por Zezo. Compomos ainda Um par de alianças, gravado por Fernando Lelis...

E a parceria com Carlos André?
Ele foi o meu padrinho. Carlos André era produtor da gravadora Copacabana e me indicou à Tape K, onde gravei meu primeiro álbum, Só lembranças (1975). Depois se tornou parceiro meu: compomos Cadeira vazia e outros sucessos. Devo muito a ele.

Verdade que o brega financiava a MPB e os tropicalistas?
Eu sustentava o Tape K. No toca-fita do meu carro vendeu 100 milhões de cópias. Vendi muito naquela época. Saudade de rosa, também vendeu muito – composição com Gery Campelo. Fernando Luiz sabe disso porque começou na mesma época que eu. Fiz minha primeira viagem de avião com Fernando Luiz, quando Cortez Pereira recrutou vários artistas para shows no interior do RN pelo Projeto Camarão. Estavam no avião eu, Fernando, Ademilde Fonseca, Noite Ilustrada, Carlos André e um monte de gente. Foi um incentivo grande. Naquela época a criação de camarão pelo Estado crescia e a gente rodava as cidades com shows para incentivar o pessoal a comprar e criar.


Havia preconceito com brega já naquela época?
Era um trabalho bem aceito pelo povão. Era a música do momento. Tanto que até hoje está aí – é a prova de qualidade. Mas o preconceito sempre existiu daquele povo que gostava, mas não assumia.

O que é ser brega?
É ser popular; é ser chique. Eu sou chique. Humilde, né? (risos). É ser sem frescura, do jeito que gosto.

E hoje o brega é cult...
Hoje é chique. Rapaz, cantei num festão em São Paulo (a Virada Cultural). Fizeram uma pesquisa lá e Bartô foi eleito o mais querido pelo povão, aí me chamaram. Quando toquei eram umas 7 horas da manhã. Ninguém saiu; o povo tudo vibrando. Nunca vi um negócio daquele. E foram cento e tantos artistas só no dia que nos apresentamos.

Os tempos atuais são melhores?
Naquela época se ganhava muito mais dinheiro. Gravadoras tinham interesse na exclusividade do artista e pagava alto por isso. Eu andava de carro novo todo ano. Hoje está mais difícil. O artista depende muito dos shows por causa da pirataria. É cansativo, sofrido. Tem que ir à luta. Mas está tudo bem, graças a Deus.

Falando em carro, qual a história de No toca-fita do meu carro?
Foi a composição que mais despontou. A história é verídica. Quando vim pra Mossoró pra comprar meu primeiro carro, também conheci minha mulher. Era 1977. Comprei um Chevette a um amigo, da Gonzaga Veículos, e fui no carro pro Rio de Janeiro, sem poder levar a mulher. Na estrada, com saudade dela, aquele vazio no coração e escutando Detalhes, de Roberto (Carlos), no toca-fita, bateu a inspiração e comecei a trabalhar a música.

Qual a rotina de shows, aos 60 anos?
Minha agenda é lotada o ano todo. De sexta a domingo não paro. Toco em vários lugares. Mantenho escritório em Fortaleza, onde moram meus dois filhos (Bartozinho e Daniel Galeno, ambos compositores do estilo do pai) e outro no Rio, onde moro. Mas sempre passo por Mossoró pra visitar a família.

Esse ritmo dura até quando?
Por enquanto vou muito bem. Bebo pouco, deixei de fumar... Já bebi muito, mas num dava muito certo, não. Tava demais. Bebia emendado de um show pro outro. Ta melhor assim. Tem que ter pique. Vim agora de show em São Luís, tirei pra Brasília e São Paulo. Cheguei às 4h e estou aqui às 11h. É cansativo. Se o cara tiver ‘mamado’, não agüenta. E era fumo e bebida.

Internou-se alguma vez decorrente da bebida?
Só em bar. Chegava de amanhã e só saía no outro dia (risos).

Sem beber, sem bar, sem traição, qual a inspiração pra compor?
Estou sempre compondo. A inspiração parte das histórias que vejo, do papo com os amigos: é como se fosse a gente passando aquilo tudo. Aí a gente faz o tema, guarda e desenvolve depois. E tenho um passado muito marcante com minha mulher. É uma paixão que dá pra compor 100 milhões de vezes. Sem paixão, a composição não é verdadeira. Se escuta a música e se percebe logo. Música boa vem do desabafo. Quando você grava, chega alivia o coração. Então, vem daí. São só lembranças...


Fotos: Sérgio Vilar

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