quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Entrevista - Leno


Sem Lílian e sem amarras

Ele encantou o Brasil ditatorial com baladas românticas de Jovem Guarda, foi censurado pela polícia política, lançou Raul Seixas, produziu um dos maiores álbuns da história do rock nacional e amanhã grava DVD ao vivo no Centro de Convenções, na Natal de Cascudo e da qual nunca precisou de consagração porque nutre “amor incondicional” à sua cidade natal. Na entrevista a seguir ao Diário de Natal, Leno solta o verbo contra falsas ideologias, coloca Natal na “lanterninha” da cultura brasileira e critica de Chico Buarque a Niemeyer, de Lula ao atual cenário da música no mundo. Com vocês, um Leno sem Lílian; um Leno sem amarras; sem censura:

O show de hoje engloba toda a sua trajetória musical?
Isso. Está bem eclético. Desde a Jovem Guarda, ao período com Lílian, meu trabalho solo até minha fase (dizem que fase é coisa de pintor, né?) com Raul. Quando Raul se separou do Raulzito e Os Panteras, ele foi pra minha banda e eu o lancei antes de se tornar famoso. E eu resgatei muita coisa legal dessa época que havia sumido. Vou cantar algumas coisas dessa época, em parceria com ele; coisa censurada nos anos de 70 e 71, de um disco que virou cult. São músicas que achei depois em uma fita e regravei em Natal. E também músicas mais diferentes como Mr. Tambourine Man, de Bob Dylan, com arranjos diferentes para uma letra que compus. Canto duas músicas com Daniela Abreu e Camila Masiso – adoro elas cantando, cara. E veja só: vamos cantar Pobre Menina e uma música do último CD, Idade Mídia (2006). E elas participam da banda, também. A princípio, os músicos convidados seriam amigos do Rio de Janeiro. Mas pensei: “pow, um projeto municipal...”. Então fiz uma seleção de músicos daqui. Na bateria vai ter Raphael Bender, que toca com o Macaxeira Jazz; Paulo Sarkis, do Mad Dogs, no contrabaixo; o sensacional Cléo Lima na guitarra; e o mineiro Zé Marcos no teclado, que tocou com o 14 Bis, Cássia Eller e mora em Natal, hoje. Tem ainda um naipe de metais com Neemias Lopes e outros. E uma parte do show será em formato acústico, com maestro Paraguai e quarteto de cordas. É negócio de primeiríssima qualidade; um show pra apresentar em São Paulo ou Nova York.

Natal nunca lhe deu retorno merecido. Por que a gravação do DVD aqui?
Boa pergunta. Freud explica. Mas é meu amor incondicional por Natal, desde criança. Sou bem tratado no Brasil inteiro. Mês passado participei da Virada Cultural em São Paulo. Aqui nunca me chamaram pro mísero Seis & Meia. E olha que moro há três anos na cidade. Os shows que faço são realizações minhas. As fundações do estado e município desprestigiam ostensivamente o artista potiguar. Conheço o Brasil de ponta a ponta. Isso só existe aqui. Continuo porque o público gosta. Se a turma da chapa branca tem inveja, problema deles. Conto com meu talento, o público e a mídia. Se os Beatles esperassem a Rainha ainda estavam em Liverpool.

A passagem da década de 60 à 70 foi comparada por você como uma virada do século. Em 2010, gravação de novo DVD. Qual a reviravolta musical desse tempo?
Aquela geração era mais vanguardista. A música hoje é tão eletrônica, tão fria... Tecnicamente os músicos melhoraram; tocam muito. Mas a obra em si, não dá pra comparar com os Beatles. Há excesso tecnológico. Muito cantorzinho acomodado em apertar botão. Máquinas afinam vozes e instrumentos. Recuso usar isso. Ou se tem ouvido musical ou trabalha em outra coisa. Acho que a geração universitária está menos exigente. Aceitam coisas... Acho que é reflexo da educação brasileira. Outro dia uma jovem quase foi linchada na universidade porque usava minisaia. No anos 60 nunca aconteceu isso. O Brasil vive um retrocesso cultural. E isso tem muito a ver com o governo de desserviço de Lula. O exemplo deixado é: seja ignorante, antiético, hipócrita e seja presidente.

A Jovem Guarda era mesmo americanizada? O Tropicalismo salvou o país pelo menos por uma década?
Caetano disse que se não fosse a Jovem Guarda a tropicália não existiria. E eu sei disso porque estava lá. Eles sofreram influência da guitarra elétrica, dos nossos cabelos compridos. O preconceito partia da esquerda radical. Sou de esquerda, mas há os ponderados e os radicais. Os Estados Unidos eram uma burrice, mas os radicais eram contra a guitarra elétrica. Os Beatles eram ingleses, pow! Temos que aprender o que é bom. Com essa onda toda, perguntei a ninguém menos que Cascudo, naquele início de 70: “Mestre, o que o senhor acha do estrangeirismo nas nossas artes?”. E Cascudo respondeu exatamente assim: “O barro pode vir de qualquer canto. Mas quem molda o jarro é o artesão”. Foi o que fizemos. Se a cultura não se abre às coisas boas vira Talibã – os hitlers do século 21. Adoro forró pé-de-serra. E aí? A Jovem Guarda traduziu a linguagem da juventude da época quando o Brasil vivia um período melancólico. Eram músicas ingênuas, sem engajamento político. Tínhamos liberdade. Comecei a ser censurado só depois do AI-5, em 1969.

Chico Buarque foi censurado antes...
As melhores músicas de Chico Buarque foram compostas entre 64 e 69. Aqueles caras da esquerda radical que combatiam a Jovem Guarda são os mesmos que fodem o Brasil hoje: José Dirceu e companhia. Veja se Chico Buarque abre a boca pra criticar os colegas torturados em Cuba? Não respeito um cara desse; respeito a obra. Caetano escreveu livro debochando de uma passeata dessa turma realizada no centro de São Paulo em 1967 contra a guitarra elétrica. Ele e Nara Leão, que eu adoro, se recusaram a descer e descreveu o movimento como fúnebre cortejo. Íamos trocar Beatles por Stálin? Hoje ainda há Niemeyer que acha Stálin lindo!

Continua compondo?
Lancei CD de músicas inéditas, só pop-rock, em 2006. Vou cantar uma delas no show: Ciências e religiões. Fala do contraste entre a ciência e o fanatismo religioso. É como você falou: vivemos uma época medieval no século 21. Temos que reagir. Hitler começou assim e quis dominar o mundo. Fui de uma geração que libertou a mulher: ela se vestia como queria... Antes o Brasil era uma fazenda. Demos a liberdade proibida pela ditadura. Nos anos 70 é que a coisa ficou feia.

Foi quando você passou um período afastado da mídia...
Eu vinha de um pique de dez músicas no top das paradas. Foram seis anos consecutivos no primeiro lugar. Foi quando gravei Vida e Obra de Johnny e McCartney, trouxe Raulzito que ajudou na produção, e fui censurado. Foi um corte na minha carreira. Fiquei dois anos sem gravar. Ninguém da esquerda me ajudou. Se fosse Chico Buarque... Mas éramos da Jovem Guarda. Depois passei uns dois anos nos EUA. Voltei pro Rio para produzir álbuns pela gravadora CBS. Foi quando arrumei contrato pra muito músico potiguar: Babal, Joca Costa, Banda Flor de Cactus, que tinha Chaguinha (Chagas Nobre, filho de Chico Elion) na guitarra, Etelvino, do Impacto Cinco. Eles tocaram pra caramba no Rio, fizeram programa do Fantástico...

Você participou do Lágrimas Azuis, do Impacto Cinco?
Fui o produtor. E burlei a ditadura – a ditadura era burra - e compus a música Sentado no arco-íris, que cantarei no show. O Lágrimas Azuis é hoje considerado dos dez álbuns mais importantes do rock nacional. É dos mais cultuados na internet. E é de uma banda potiguar, mas ninguém dá valor.

A situação dos músicos potiguares hoje é talvez pior.
Cara, enfrentei dificuldade de reunir músicos porque cada um toca em quatro ou cinco bares. Não é culpa deles. Mas é ruim artisticamente falando porque dispersa. São músicos talentosos que, se participam de um trabalho mais concentrados... Meu sonho é colocar Natal no mapa musical do Brasil. E pode colocar aí: se Natal tem algum reconhecimento foi graças a Leno. Há 40 anos cito Natal, produzi músicos, dei espaço. Amo a cidade. Tanto que vim morar aqui. Poderia estar em São Paulo com mais dinheiro. E é um acontecimento legal essa gravação do DVD, com apoio do Eldorado, da Lei Câmara Cascudo que coloca uma burocracia enorme. Aliás, é outra coisa necessária de crítica. Artistas não conseguem captar recursos. Empresas desistem pela série de burocracias e a cultura fica nesse marasmo. Natal é lanterninha da cultura no Brasil. Vai ao Rio de Janeiro pra ver: qualquer sambista de quinta categoria tem apoio do governo. Sei que posso me prejudicar falando isso. Mas fodam-se os burocratas.

Show – Leno
Onde: Centro de Convenções
Data e hora: amanhã, às 20h
Ingresso: R$ 20
Vendas: apenas na Banda do Tota (Av. Afonso Pena, Petrópolis)

* Parte desta matéria foi publicada hoje no Diário de Natal (AQUI)

4 comentários:

  1. Ainda bem que há gente cuja obra merece respeito. E quem nem obra tem? Abraço, João Lyra.

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  2. tem muito ressentimento no que ele fala e mistura coisas completamente díspares. creio que seja informado o suficiente pra saber que o exemplo e prática do governo Lula foi de construir os acessos com consultas públicas. ele sabe disso e dizer o contrário é agir com má fé. se concorda com o que foi praticado na idiota jovem guarda só vai descer a ladeira, pois a época do LP já foi.

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  3. "Aqui nunca me chamaram pro mísero Seis & Meia. E olha que moro há três anos na cidade. Os shows que faço são realizações minhas. As fundações do estado e município desprestigiam ostensivamente o artista potiguar."

    Precisa dizer mais alguma coisa?

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  4. Esse senhor tem um sério problema de memória e gosta de cuspir no prato que come.Ele, foi sim convidado por Collier para fazer um Seis e Meia, inclusive a capa do cd Idade Mídia é uma foto tirada nesse show.A atração nacional desse show foi o cantor Ed Wilson.Eu estava lá e fui quem intermediei o show com o Collier.

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