“Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era tudo muito bom”. E no sétimo dia, se qualquer filho de Deus descansa, quanto mais Ele. E no descanso começou a balbúrdia. O Divino entregou a chave do mundo ao homem, lavou as mãos, e mais tarde provaria do mesmo veneno, quando o Poncio, após o pilates, também colocou as mãos n’água e crucificou o Filho do Dono do Mundo – coisa de inquilino ingrato.
Adão e Eva se renderam a uma maçã sem agrotóxico. Caim matou Abel elevando sobremaneira o índice de criminalidade da época em 50%. Ainda assim, houve quem fizesse filho em parente e uma galera se formou. Assim caminhava a humanidade. O que era sagrado virou social, depois patriarcal, sociedades monárquicas, imperialistas, capitalistas e, convenhamos, nunca deu certo.
Lá pras tantas, cansado da ingratidão pelos seis dias ininterruptos de trabalho perdidos, o Divino precisou intervir pessoalmente... Ops, divinamente nas questões. Exterminou nações, bateu um papo-dez com Moisés, abriu o Mar Vermelho, concedeu sabedorias a Salomão, um estilingue a Davi, uma cabeleira esperta a Sansão e nada de paz entre os homens.
Depois de algumas centenas de milhares de anos, percebeu que o livre-arbítrio divino pendia para o mal. E mandou Seu Filho implantar o anarquismo no mundo. Jesus tentou mostrar que as moedas são de César e o poder é do povo. Antes de Raulzito, tentou fundar uma sociedade alternativa. Resultado: prego nas mãos e nos pés. E nisso já se vão mais de 2 mil anos. E se Jesus aparecesse de novo?
Difícil seria encontrar uma Maria virgem, sem pedofilia. Mas se Deus é brasileiro, ela seria freira no Rio de Janeiro. Jesus nasceria em favelas. Seu Herodes seria o chefe do tráfico enciumado pela fama de “filho do hômi” – o todo poderoso, o “É Ele na fita”. A mãe o esconderia no orfanato ali perto. Seria adotado por família abastada e logo conheceria as novas tecnologias – modelo mais rápido de pregação.
À frente do computador criaria orkut, blog, facebook, espalharia milhões de e-mails spams em PPS e conquistaria a antipatia sagrada. Não passaria de 150 seguidores no twitter e tentaria o sindicalismo, as passeatas, passaria 40 dias e 40 noites de provação em reuniões de comitês e resistiria à tentação de mandar todos tomar no chimarrão – o sacrifício para chegar à massa popular.
Da vida sindical veria existir um único “deus” com nome de molusco. Passaria à vida nas ruas junto aos pobres. Encontraria centenas de marias madalenas pelas madrugadas do Rio, multiplicaria um prato de sopa em feijoada comunitária e no fim da festança, transformaria a água em cachaça. Conquistaria dezenas de devotos papudinhos, descrentes e interesseiros. Sentira-se no caminho certo quando viu milhares de fieis em um templo evangélico.
Após quebrar tudo em protesto contra a hipocrisia na Casa do Pai, Jesus percebe a necessidade de outros caminhos até assistir um show lotado do NXZero na TV. Monta uma banda de pop rock emo, faz chapinha no cabelo e compra roupas coloridas. Um ex-cantor do programa Fama, João Batista, batiza a banda de Jesus Chryst Band. Jesus logo ganha fama, recebe prêmio do Multishow e prega sua mensagem de fé.
Mas o público juvenil é insatisfatório. Nem mesmo participação no BBB resolveria. A Galiléia de ontem cabe no Morro do Alemão de hoje. Era preciso ecoar sua voz ao mundo. E pensou no Papa Bento 16. Ingressa na Igreja. Aos 33 anos já é diácono mal visto pelo clero. Jesus percebera pouca diferença entre Igreja e Estado. Ambos poderosos, aliados desde a formação, cheios de hierarquias e prometendo a salvação em troca do voto, do dízimo, da fé.
Mais uma vez desiste da empreitada. “Pai, eles não sabem o que dizem”, dialoga. Perdido, Jesus pede luz ao Divinão. Sem resposta, vagueia pelas vielas do Vidigal. Parado por filhos do tráfico, Jesus é levado ao comanda da favela. “Soube que você multiplica as coisa; fez um sopão virar feijoada. Quero ver aumentar esse pó aqui”. A recusa é silenciosa. “Vai falar não, barbudo? Tu vai pro microondas!”.
Jesus é levado ao alto da favela, onde o comando castiga delatores e inimigos queimados vivos. Testemunhas do milagre da feijoada são chamadas. Reclamaram pouco caso de Jesus – “apenas uma feijoada, por que não um bobó de camarão?”. Jesus nada responde. O chefão do tráfico, sem lhe atribuir qualquer crime, amarra Jesus e pergunta se ele é mesmo O Cristo. “Tu dizes isso de ti mesmo, ou disseram-to outros de mim?”, responde Jesus em “gauchês”, sempre na segunda pessoa.
Jesus é colocado envolto entre pneus. O traficante pergunta outra vez: “Então tu acha que é rei?”. E Jesus, com a paciência conferida a Jó: “Tu dizes que eu sou rei. Eu para isso nasci, e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz.”. O chefe do comando pergunta à comunidade o que é a verdade. Ninguém entende. O comando lava as mãos. Esfomeados e gananciosos, moradores da favela apedrejam Jesus. São horas de sacrifício e dor até acenderem o fósforo.
O cheiro de pneu queimado exala pela favela da Rocinha. De longe, o Cristo Redentor de braços abertos sobre a Guanabara – presente de Deus! Três dias após a execução, nem cinzas, nem ossos, nem salvação.
Rapaz, ele teria um monte de seguidores no Twitter...
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