segunda-feira, 8 de março de 2010

Onde reside a arte...


Grupo de artistas visuais busca experimentações longe da cidade, onde o sertão encontra o mar

As cidades são surreais, cada qual à sua maneira. Descobrir o imaginário escondido em cada esquina é tarefa difícil aos moradores acostumados ao cotidiano do lugar. O olhar estrangeiro – como o do Flâneur de Walter Benjamim – capta uma atmosfera intrigante aos nativos. E enxerga mazelas e belezas invisíveis ao olhar comum. O município potiguar de Areia Branca foi vítima desse olhar sensível. Artistas visuais armaram residência na cidade por 15 dias, até hoje. Vivenciaram o dia-a-dia de seus moradores, seus costumes e cultura. E projetaram em forma de arte as suas experiências.

As peculiaridades de Areia Branca denotam uma cidade única, completamente isolada, cercada por montanhas de sal e miséria. Na cidade situada na região da Costa Branca, onde o sertão encontra o mar, sequer há rodoviária ou transporte público. O centro da cidade é rodeado por toneladas de sal e dista cerca de dez quilômetros dos bairros ”vizinhos”. Para se chegar ao centro, é preciso pagar cinco reais para ir e outros cinco para voltar. A maioria da população fica impossibilitada de freqüentar o centro e permanece presa isolada em seus mundos. O centro comercial de Mossoró se torna um país longínquo.

A presença do sal e do petróleo, na Região da Costa Branca, modificou vertiginosamente a geografia do lugar, acentuando seus contrastes: rico/pobre, deserto/mar, ao mesmo tempo criando uma atmosfera híbrida de ambientes e paisagens. O fator econômico é uma determinante na criação de um perfil incomum e complexo, evidenciado pela presença da língua inglesa, o grande número de soropositivos, a prostituição, o reflexo da luz do sol nas pirâmides de sal, a luminosidade no trabalho provocando cegueira. A complexidade transparece na natureza: de um lado dunas, de outro sertão, do outro mar.

A descrição é da artista plástica Sayonara Pinheiro. “Por outro lado, há também o Porto Ilha, responsável pela exportação de 100 mil toneladas de sal diárias. O que podemos perceber é que, em Areia Branca, o produto é mais importante que as pessoas. A falta de transporte público, de rodoviária... É como se eles não pudessem sair daqui”. Presos em uma realidade dura e costumeira, imersos em um mundo aparentemente normal, se calam frente ao surrealismo de suas existências. Nenhum equipamento de lazer ou cultura, nenhuma dignidade.

“As famílias de operários que trabalham com petróleo – o sangue negro – e o sal, no centro, conseguem enviar seus filhos para fora. São eles os escritores e músicos de sucesso no Estado, e não os filhos que nascem e vivem em Areia Branca”. E assim surgiram nomes como o compositor Mirabô, o instrumentista Tico da Costa, o jornalista Carlos de Souza, os irmãos Tarcísio e Deífilo Gurgel, e outros que pintam uma Areia Branca musical ou também imersa em poesias tão cheia de cores e aromas infantis, fruto de lembranças e vivências doces, coloridas.

O retrato da cidade buscado e pesquisado por um grupo de artistas visuais tem a intenção de provocar os moradores da cidade, despertar-lhes um novo olhar sobre a cidade, apontar caminhos, questionamentos. Após inspirarem os ares de Areia Branca, iniciaram a arquitetura de suas artes. Instalações urbanas, performances de rua, vídeos, telas, fotos, exposição de arte postal... Tudo com o propósito de diagnosticar a os extremos e meios da cidade em seu cotidiano. O trabalho foi apresentado ontem, no Cabaré de Gigliola, um travesti conhecido em Areia Branca.

“Acreditamos na participação da comunidade do Iraque e outras periferias no Cabaré. Queremos essa interação com os moradores para eles verem o que pensamos a respeito da cidade. Não viemos salvar Areia Branca. Queremos apontar caminhos, provocar questionamentos”, explica Sayonara. A artista ressalta que a iniciativa deriva do projeto Densidade, realizado em bairros da Zona Norte de Natal, quando vários artistas também imergiram no cotidiano de lugar e promoveram uma série de intervenções na região. “O próximo passo talvez seja Guamaré, onde metade da população é constituída hoje por operários da refinaria recém-inaugurada”, adianta Sayonara.

Os artistas participantes do projeto Residência Artística, são: Sayonara Pinheiro (Natal-RN), Jota Medeiros (João Pessoa-PB), Zé Frota (SP), Anchieta Rolim (Areia Branca-RN), Pedro Costa (RJ) e Vinicius Dantas (Natal-RN) e Lenilton Lima (Natal-RN) responsável pelo registro fotográfico, e Danilo Tazio (Mossoró-RN) pelo registro videográfico. Todos residem em Natal, com exceção de Anchieta Rolim, que vive em Areia Branca.

* Matéria publicada hoje no Diário de Natal

Nenhum comentário:

Postar um comentário