quarta-feira, 3 de março de 2010

Volta, Mário. Volta, volta, volta!...


Tirei a prova da afirmação de que matérias jornalísticas precisam deixar margem à interpretação do leitor.

O texto do professor Tarcísio Gurgel na Palumbo, a respeito da visita de Mário de Andrade em Natal, é um primor.

Fiquei deslumbrado com o valor das informações e mais ainda com a caninga de Cascudo para Mário voltar à cidade, ao enviar uma série de cartas ao etnógrafo paulista.

Para Tarcísio, as respostas de Mário denotavam o enorme desejo e a impossibilidade de voltar a Natal. Para este blogueiro, apenas respostas elegantes de Mário à insistência de Cascudo.

Aliás, dei boas risadas com as respostas, que aos poucos perdem a compostura, mas sem sair do prumo. Ora, Cascudinho insistiu para que Mário voltasse por mais de 11 anos! Num tem alma que aguente.

Senão, vejamos as respostas. A primeira, em 1931, Mário traça um roteiro de viagem que inclui o Rio Grande do Norte no meio. Nada além disso.

Na segunda, Mário cita novamente o Nordeste, e diz: "(...) só se Deus dispuser o contrário, está tudo preparado, até o dinheiro da viagem reservado, e rendendo juros na Caixa Econômica". Não veio.

Na terceira, o paulista afirma que, quando vier, estará "incomparavelmente acomodado na amizade de vocês. (...)".

Já na quarta, começa: "Você fica proibido de me chamar mais uma vez aí pro Nordeste. Não posso mais, esses chamados me fazem mal. Por tudo quanto eu sou de sincero, acredite que não é só você e sua gente que adoro mesmo, mas adoro esse Nordeste muito (...)".

Depois, se percebe o início da impaciência ante a ansiedade do amigo: "Olha, Cascudinho, eu vou. Eu disse que vou e vou mesmo. Agora a viagem está marcada para novembro do ano que vem. Eu vou, mas não me chame mais. Eu vou não é pra cumprir a minha palavra que vou; vou porque tenho de ir; (...)".

Veio outra carta em 1936 até um convite fatal, uma penúltima cartada: o pedido para que Mário venha crismar o afilhado Fernando, filho de Cascudo.

Mário, mais uma vez elegante e atarefado, responde: "Agora, descansado e mais forte estou disposto a continuar, apenas convencido que a ilusão talvez seja a única coisa que ainda se pode salvar deste caos humano. Guardarei a ilusão de que ainda trabalho e só".

E olha que ainda houve oferta de uma casa na insólita praia de Areia Preta, conseguida junto ao Presidente de Governo à época, Juvenal Lamartine. E advinha de quem foi o pedido: Cascudinho.

E Tarcísio escreve: "Nas poucas cartas que se seguiram não há mais qualquer registro do desejo de voltar".

Ora, convenhamos...

A quem quiser se debruçar melhor no tema, o folclorista Veríssimo de Melo reuniu todas as cartas em livro. Melhor mesmo é comprar essa terceira edição da Palumbo, que tá uma beleza e ler a preciosidade do texto de Tarcísio e muitos outros. Comento depois.

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