quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Da vanguarda produtiva

Posto abaixo o editorial que fiz para a última edição da Revista Palumbo, a de outubro. E já convido o leitor à compra da edição número 11. A estimativa é de que próxima semana ela esteja nas bancas. Depois coloco aqui as matérias de destaque da revista. Adianto apenas o balanço da Flipipa, matéria sobre o padre Ibiapina (que teria influenciado padre Cícero Romão), por Filipe Mamede, e o resgate da história do jornal A Ordem, em texto primoroso de Albimar Furtado. O resto é surpresa. E das boas!

Carta do Editor

A vanguarda produtiva difere do falso vanguardismo assimilado pela indústria cultural. A cultura de massa virou perfume de boutique e botecos. Já domina o plano social, político e até religioso – vide campanha eleitoral. Embora reconheça o aroma docemente dissimulado dessa indústria na arte e na comunicação, não é assunto de nosso interesse. Preferimos o “desvio de norma”, para lembrar a expressão de Viktor Chklósvski quando se referiu à verdadeira vanguarda – um movimento de intervenção, estruturado sob uma sociedade crítica.

A quebra de paradigmas em uma “terra em transe” cria novas estéticas, ou extra-estéticas. E nela cabem diferentes formas de criação legitimadas pelo idealismo, mesmo que burguês. A estética é refúgio de idealismo, já disse o ensaísta Moacy Cirne. Que seja. A poesia concreta e experimental comprova o contraditório e a vocação contracultural e vanguardista da estética. Esse desvirtuamento provocado pela estética da vanguarda recai no mundo artístico-intelectual ou se insere na vida e no corpo do indivíduo.

Esta edição da Palumbo está repleta dessas pessoas pouco afeitas ao racionalismo tecnicista e autoras de novas conceituações humanísticas. Gente que um dia caminhou neste encruzilhamento de códigos vanguardistas e modificou o seu tempo ou seu próprio ser. Tanto faz. A matriz construtiva dessa estrada difere de gênero, época e abrangência. Mas todos eles ultrapassaram formalismos, preceitos e promoveram os tais desvios. Se não ao cânone estético, mas à norma social.

Interessante a percepção de que uns construíram movimentos sociais, enquanto outros promoveram revoluções incríveis na alma. E ambos integram o vasto campo da vanguarda. Ou o que dizer de Nísia Floresta e seus tantos adjetivos classificatórios, cada qual arcabouços de lutas, coragens e idealismos antes adormecidos na cama macia da história – uma história, ressalte-se, contada por homens. Nísia abriu fendas na parede de chumbo machista e libertou índios do preconceito cego. Criou uma revolução possível às mulheres e alforrias aos negros.

Jussara Queiroz pertence ao mundo sempre imaginário da contracultura – um mundo próximo do idealismo anárquico de Hebert Marcuse, principiado na beleza e na liberdade. De alma inquieta, Jussara fez do cinema a sua poesia. Foi silenciada pelos voos inesperados do mundo-realidade: um mundo sem sonhos e ilusões, nunca pensado pelo professor hedonista Timothy Leary. Mas os olhos da cineasta ainda miram o mar e colorem as águas de cores psicodélicas quando quer, quando tenta fazer da vida uma imitação da arte libertária.

Da liberdade também buscou o jornalista Jomar Morais. E mergulhou nas funduras abissais da alma para encontrar um remédio caro e sem referência genérica: a paz interior. Entre estantes de livros e uma vila pesqueira perdida nas entrelinhas do tempo, o pesquisador Francisco Fernandes Marinho guarda a história na esperança de abrir milhares de mundos aos aventureiros literários. Longe do mar, a socióloga Tereza Aranha transporta a seca das lembranças infantis às desilusões políticas. E cada um deles faz do seu universo particular um mundo de galáxias. Assim também é a Palumbo: dos muros baixos da província ao pedestal da vanguarda produtiva.

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